Capítulo 1

361 37 60
                                    

- Senhor Albert, precisamos que o senhor assine este documento. Sem sua assinatura, não podemos desligar os equipamentos. - a enfermeira de meia idade com um sorriso simpático sem mostrar os dentes e cabelo amarelo queimado procurava de alguma forma entregar a prancheta com a documentação para ser preenchida e assinada.

- Como poderei assinar? – A face daquele sujeito entregava a tristeza. Um olhar profundo. Desgastado. Levou as mãos ao rosto. Fechou os olhos. Bufou. As lágrimas voltaram a escorrer.

Percebendo a situação que se formava, o doutor, com seu esbranquiçado bigode felpudo, aproximou-se da enfermeira depositando sua mão sobre a prancheta. – Agora não, Lilly. – disse com os olhos compenetrados ao dela – Deixe-nos. – sussurrou para que a enfermeira corpulenta saísse do recinto.

Dr. Kennedy sentou-se na cama, próximo do pai da criança. Enquanto ajeitava seu óculos bolinha, espanou alguns fios de cabelo de seu jaleco branco e retirou uma caneta azul do bolso. Sabia que aquela situação era complicada. Mas não podia se envolver. Seu papel era outro. Se fosse assinado tal documento, ceifaria a vida daquela pequena criança com dezenas de aparelhos e tubos cravados pelo corpo.

- O senhor precisa descansar. Há dias que não sai deste quarto. Vá para casa. Tome um banho. Troque esse terno. Alimente-se bem e tenha uma boa noite de sono.

- Como posso sair e deixar meu filho assim.

- Ser querer ser rude, mas o senhor nada pode fazer aqui. – pausou – Tente não focar no emocional. Seja racional. Assine. É o melhor a ser feito. Não deixemos que sofra mais. – limitou o doutor.

O pai suspirou ajeitando seus cabeços negros com alguns fios já embranquecidos. Calado, levantou-se e foi até o banheiro jogar água em seu rosto. Aproveitou para analisar seu rosto. De fato, havia emagrecido muito depois da doença de seu filho. Seu rosto estava cavernoso. Barba por fazer. Sabia que não era o único que estava naquela situação. Seu sofrimento era compartilhado por muitos. Tal doença açoitava a humanidade a anos. Tripanossomíase Humana Africana (THA) ou apenas "a doença do sono" como ficou conhecida. Tudo por conta da picada da mosca da espécie tsé-tsé. Devido a uma mutação genética, além de mais resistente, sua picada passou a causar um grave dano no córtex cerebral que controlava o pensamento e a personalidade. Começou na África, mas logo se alastrou pelo mundo. Para os enfermos a esta doença, foram comumente chamados de Sonhadores. Seres cuja a condição se assemelhava a um estado vegetativo persistente onde a dor física e mental era inexistente.

Albert Wells depositou suas mãos sobre a pia do banheiro e fechou os olhos. O sr. Wells nunca foi um homem religioso. Mas, naquele momento, se agarrou na esperança que lhe restava. Confirmou com a cabeça sem dizer uma palavra. – Deus, se estiver me ouvindo, por favor, cure meu filho. Ele é apenas uma criança. Não merece ter este fim. Se o curar, prometo ser fiel a ti. Serei devoto por toda minha existência.

Mal tardou a dizer tal frase e um tremor deu início. No começo leve. Albert se segurou na pia mas sem muita empolgação. Tremores aconteciam direto em sua cidade. Porém aquela trepidação se intensificou. Assustado, caminhou se segurando como pode até chegar próximo da janela. Abriu a vidraça do hospital. O vento bateu em seu cabelo remexendo sua franja. Sabia que estava no quinto andar do hospital, mas não imaginava tal vendaval. Olhou para abaixo e notou dezenas de pessoas olhando para cima. Alguns apontavam enquanto outros miravam e gravavam com seus celulares. Então um clarão surgiu. Sua pupila fora dilatada e seus olhos arderam. Tampou-os como pode enquanto a luz se intensificou assim como um agudo som. Por fim, tudo cessou. O senhor de corpo esguio sentiu sua boca secar. Umedeceu seus lábios no momento em que voltou a abrir os olhos.

- Onde... O que é isso? – Albert não sabia onde estava. Olhou para um lado e para o outro a procura de respostas. Desnorteado, caminhou bem lentamente analisando as paredes porosas de cores escuras e desenhos geométricos. O local se assemelhava a uma fria e úmida caverna. De tempos em tempos feixes de luz multicoloridos transcorriam iluminando todo o cômodo.

A VISITAWhere stories live. Discover now