Capítulo 01

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 Por mais que eu arrumasse de cinco em cinco segundos a cortininha azul, os raios de sol faziam questão de escapar pelas frestas e acertar meu rosto.

Quem me visse naquela luta poderia muito bem acreditar que eu estava muito centrada na tarefa, mas, na verdade, meu movimento era quase instintivo, toda vez que sentia meu rosto ardendo. Minha cabeça estava em outro lugar, dividindo sua atenção entre certas coisas que me incomodavam mais do que era aceitável, e eu não conseguia decidir o que mais me desagradava.

Primeiramente, minha barriga se contorcia em um misto de fome e enjoo. Já se passava do meio-dia e minha única refeição desde a hora que acordara foi uma barrinha de cereal que achei jogada dentro da minha mochila. Não era por falta de comida que tinha decidido comer apenas aquilo, mas por achava mais prudente não me entupir com o café da manhã antes de uma longa viagem de ônibus. E o que de todo não havia sido um erro, já que o chacoalhar frenético do veículo fazia meu estômago dar voltas.

E aí estava o segundo motivo: a viagem que parecia mais ter sido inspirada por um filme de ônibus desgovernado do que qualquer outra coisa. Não era só eu preocupada com o pouco conhecimento de direção defensiva do motorista, todos os outros passageiros também. Os fones em minhas orelhas abafavam um pouco o ruído do mundo exterior, mas mesmo isso não impedia que eu escutasse os protestos gritados de meus colegas de viagem – que eram completamente ignorados pelo motorista. Se eu não estivesse com a cabeça em outro lugar, com certeza, teria me juntado a eles.

Por último, porém não menos importante, a chegada iminente me deixava nervosa. Por que me sentia daquele jeito? Era algo que também não sabia. Eu havia nascido naquela cidade, vivido ali minha vida inteira e passado apenas um ano longe, mas, mesmo assim, estava ansiosa com o retorno.

Para completar o show de horrores que a viagem estava sendo, o motorista resolveu fechar com chave de ouro e parar o ônibus de uma vez, desafiando as leis da física ao estacioná-lo na baia. Todos os passageiros foram jogados para frente, e tenho certeza que o filme de suas vidas passou diante de seus olhos enquanto, em câmera lenta, os pertences voavam pelo corredor e os corpos batiam novamente contra o estofado.

Tive pouco tempo para me recompor, agarrei minha mochila e desci assim que a porta foi aberta. O quanto antes me livrasse daquela confusão, melhor.

Pensei que tudo melhoraria quando me visse salva em terra firme, mas assim que coloquei o pé no meio-fio, senti minha cabeça girar e tive que me esforçar muito para manter o equilíbrio. Antes daquele momento, não pensei que poderia ter dificuldade em me acostumar novamente com a atmosfera de casa. Mas a altitude me atingiu em cheio, fazendo meus pulmões se juntarem ao uníssono de reclamações que era meu corpo. Não tinha como culpá-los, o ano que se passou serviu para acostumá-los a um ar muito mais respirável.

Eu me recusava a acreditar que estava despreparada para aquela volta. Antes de chegar, não havia passado pela minha cabeça que eu estava mudada depois daquele ano. E não era o ar rarefeito, nem o frio ou o fato de que teria que subir mais uns bons metros até o topo da montanha que me causavam aquela sensação. Ali era minha cidade natal, mas eu sentia meu corpo sendo esmagado, como se não pertencesse mais ao lugar.

Quando dei por mim, estava sozinha, sentada do lado de fora da estação. Meus colegas de viagem haviam seguido seus rumos e nem um único ônibus esperava para partir. Ninguém estava por perto e aquilo me deixava minimamente mais confortável.

Apertei com força a minha grande mochila listrada contra o peito, esperando que o incômodo de seu peso me ajudasse a voltar logo aos eixos. Estava tentando manter minha mente focada em qualquer coisa que não fossem meus pensamentos, por isso encarei por longos minutos minha mochila. Ela não estava tão cheia ou tão pesada, estava longe de ser toda tralha esperada para um ano morando fora.

Anty [Amostra]Where stories live. Discover now