Adendo - BLOQUEIO DE ESCRITOR

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Se você chegou aqui, deve ter percebido que o curso acabou. Mesmo assim, como já estou trabalhando numa versão avançada do mesmo, sem contar que inúmeras vezes já comentei a respeito em palestras, cursos e mesmo na internet, resolvi agregar aqui um pouco a respeito de como se livrar deste fantasma que assombra a maioria dos escritores: o Bloqueio de Escritor

Na realidade, eu resolvi comentar a respeito aqui por dois motivos: o primeiro é a quantidade de escritores que sofre de bloqueio; o segundo é a quantidade de besteira que existe não somente na internet, como publicada em livros sobre o assunto.

Há algum tempo eu li um livro sobre Escrita Criativa, título que há muito está na moda e tenho que dizer: não fiquei decepcionado... Fiquei decepcionadíssimo! Diversos exercícios curtos, excelentes para novatos, mas que não servem para nada para o escritor que, no meio de sua obra se vê sem ideias.

Imagine um autor parado na frente de uma tela. Nela brilha o arquivo de texto em que ele está trabalhando, e que não consegue agregar uma linha sequer há uma semana, um mês, um ano. Ao invés de escrever, ele está lendo um livro de Escrita Criativa e do lado do micro tem uma folha de papel com o exercício que ele acabou de fazer, com um monte de palavras ligadas uma a outra de acordo com o que o livro diz ser a "primeira coisa que vêm à cabeça". Aquilo de "carro – "transito" – "farol vermelho" – "irritação" – "atrasado", etc., etc. e etc.

Responda agora: no que efetivamente isso ajudou no bloqueio? O que isso agregou ao livro?

Quer outro exemplo típico? A famosa Escrita Livre! Na maioria das versões este exercício é como um brainstorming individual, um conceito patético uma vez que o brainstorming é algo criado e desenvolvido para acontecer um grupo, de modo que uma pessoa comente algo que as demais não tenham considerado. De qualquer modo a ideia por trás da Escrita Livre é se dar um tempo para soltar a mente e colocar no papel (ou arquivo) o que vier à cabeça, de preferência a respeito da história, sem julgamentos ou considerações.

Percebam que estamos um passo a frente do exercício anterior, pois aqui ao menos estamos trabalhando a história, mesmo assim considere que você está travado num ponto chave da história e, por algum motivo, não consegue continuar. O que você faz? Resolve fazer um pouco de Escrita Livre e coloca no papel que... Seu protagonista desiste e volta pra casa, ou que a pressão é demais e ele se suicida, ou ainda que ele (ou ela) pensam bem e decidem mudar de lado... O que acontecerá com sua história? Não ajudou muito, não é verdade?

É exatamente por essa razão que eu coloquei a respeito da necessidade de, durante o processo de criação, você desenvolver uma estrutura, ou esqueleto da história. Se você está bloqueado, poderá sempre retornar a estrutura, seja para considerar a respeito do que pensou que aconteceria à seguir na história, seja para perceber que algo está errado, que no processo de escrita você notou que o esqueleto da história está incompleto ou que precisa de modificações. Você então o modifica, retrabalhando toda estrutura que essa mudança acarretará e, com isso na cabeça, volta à história, agora cheio de ideias.

Compreendam, estou colocando aqui não exercícios que achei num ou dois livros, mas em coisas que deram certo para mim no processo de desenvolvimento de uma história. Sei que cada escritor é uma pessoa diferente com um modo de criação diferente, mesmo assim acredito que, como os princípios da criação são básicos, você consiga usar um pouco de minha experiência de escritor e editor para ajudá-lo.

Este primeiro modo que apresentei se baseia num conceito estrutural. Esse, entretanto, pode não ser seu problema. Já aconteceu comigo de eu estar travado numa cena um que até sei o que acontecerá a seguir, mas simplesmente não consigo colocar o que penso no papel. Normalmente isso se dá quando o escritor não consegue começar a cena. Esse na verdade é um problema que assombra inícios, acontecendo muito quando, apesar de ter a ideia na cabeça, o autor não consegue ou sabe como ou de onde começar a história. No caso é exatamente por isso que a estrutura é essencial, porque ela servirá de suporte para a história, como a fundação suporta uma casa.

Quando o bloqueio acontece devido a uma cena que você não sabe como começar a maneira de resolver o problema é pensar a cena como uma cena de filme, como roteiro. Na verdade foi exatamente por saber a diferença de escrever um livro e escrever um roteiro, pois eu já trabalhei com quadrinhos, que essa técnica surgiu. O que fazer? Visualize a cena, pense-a como uma imagem, como um roteiro:

Os personagens estão num dado ambiente quando algo acontece e o protagonista reage;

O protagonista faz alguma coisa e alguém reage;

Algo acontece, o protagonista pensa alguma coisa e depois fala;

A lista poderia seguir indefinidamente, com o/a personagem sentindo um cheiro, ouvindo um som, tendo uma sensação, sendo surpreendida. Inclusive, eu aposto que para cada colocação simples feita aqui você imaginou uma pequena cena. É exatamente essa a ideia por trás deste método. Simplificar a cena imaginando-a visualmente facilitará para que você coloque-a no papel.

Isso, inclusive, me recorda duas coisas a respeito da construção de cenas:

A primeira é sobre os sentidos. Normalmente, até pela influência do cinema e da TV, consideramos e escrevemos baseados somente na visão e audição, mesmo temos cinco sentidos (seis se considerarmos também sensações) que podemos trabalhar. Assim, além de ouvir e ver os personagens podem sentir cheiro, frio, calor, podem se preocupar, ter sensações estranhas como arrepios ou suor frio, tudo para criar tensão e desenvolver a cena.

Além disso, foi dessa ideia de visualizar a cena na mente que surgiu um exercício muito bom, destinado especialmente a essa nova geração que assiste mais filmes e séries de TV do que lê. Como eu sempre digo, ideias podem vir de qualquer lugar, desde situações da vida real, passando por filmes, desenhos, quadrinhos, enfim, de qualquer lugar. Mesmo assim, você só aprenderá a escrever lendo e escrevendo. E mais, lendo de maneira crítica, analisando como cada escritor desenvolve a trama, a estrutura, as cenas. De qualquer modo, o exercício em questão, para melhorar seu desenvolvimento de cenas é: escolha uma cena de filme qualquer e tente colocá-la no papel como se fosse parte de uma história. Não precisa de contexto algum, simplesmente detalhe os personagens, o ambiente, a ação, os pensamentos e diálogos considerando a cena que você escolheu, de modo a recriá-la no papel como se a mesma fosse parte de uma romantização do filme. É claro que cada escritor desenvolverá a cena de seu modo. Não existe só uma resposta correta, desde que evidentemente se possa imaginar a cena de uma maneira semelhante a que ela foi apresentada na tela.

Bom, é isso. Eu sei que o Bloqueio de Escritor pode ter diversas raízes, inclusive relativas a vida pessoal ou profissional do escritor, de fatores como stress, cansaço e outros. Nestes casos não creio que eu possa ajudar, a não recomendando uma viagem de férias, o que comigo sempre ajudou. Espero, entretanto, que este pequeno adendo sobre Bloqueio Criativo tenha ajudado.

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