— Acho bom você se apressar. Daqui a pouco escurece e ficará ainda mais frio. — Andressa terminou de beber seu café e deixou a xícara em cima da bancada de mármore. — Isa, tem certeza que não precisa ir ao médico para ver esse corte? — perguntou se referindo a minha mão que havia cortado mais cedo.

Olhei para a mão machucada, envolta em uma faixa e balancei a cabeça, negando. Nunca gostei de hospitais e depois de tudo que aconteceu comigo, aquele tipo de local era onde eu menos queria estar. Resquícios de lembranças que eu queria esquecer surgiram para me atormentar. O meu coração se contraiu em meu peito e parecia que o ar me faltava. Disfarcei a situação, como sempre fazia, e abri um sorriso para minha irmã que me estudava com o olhar.

— Foi só um cortezinho de nada, Dessa. Não precisa se preocupar — argumentei em tom casual o que fez com que minha irmã suavizasse a sua expressão, que antes estava carregada.

— Bem, eu preciso ir. Tenho que pegar a Carol na escola — disse se referindo a filha de sete anos, que era minha afilhada.

— Estou com saudades dela. Não esqueça de trazê-la junto da próxima vez. — Eu a acompanhei até a porta.

— Não esquecerei — falou enquanto vestia seu casaco de lã e colocava seu cachecol. — Se cuida, tá! Qualquer coisa que precisar, é só me chamar. — Andressa me deu um beijo no rosto.

— Obrigada, mana! — Nos abraçamos e ela saiu em direção ao seu carro.

Enquanto ela cruzava o quintal eu fiquei imaginando o quanto éramos parecidas na forma física. Tínhamos os cabelos e olhos castanhos e o corpo esguio. Talvez eu estivesse mais magra do que ela atualmente, uma vez que algumas de minhas roupas estavam folgadas. A personalidade era diferente. Ela era mais extrovertida, sonhadora e otimista. Não estava dizendo que eu era pessimista. Não era isso. Mas depois de algum tempo eu me tornei o que sou hoje: menos emotiva e mais realista.

Nem acreditava que havia me mudado de novo. Aluguei uma casa espaçosa para eu colocar o meu orquidário, uma das minhas muitas paixões, além da dança, das artes e da literatura. A casa não era tão grande e tinha um sobrado, mas era muito aconchegante. Ela tinha lareira para os dias frios e um gramado bonito. Os móveis estavam quase todos organizados. Faltava apenas arrumar o restante da estante de livros. Romances e poesias se misturavam em meio a livros técnicos. Eu era formada em Dança e dava aulas de balé para crianças e adolescentes. Eu amava o que fazia.

***

Estava dobrando uma esquina, que àquela hora do dia, estava movimentada. Algumas pessoas cruzavam por ali saindo do trabalho e indo para suas casas. A cidade onde eu morava não era uma metrópole. Estava em desenvolvimento, tinha indústrias, cinema e o comércio era forte, embora seu número de habitantes não ultrapassasse mais de 200 mil. Mas eu gostava de morar ali. A única coisa que eu não gostava era do frio. O inverno era muito rigoroso e junto com ele vinham as chuvas e algumas vezes até nevava. Para alguém que amava o verão, eu me sentia um peixe fora d'água.

O dia estava frio e a garoa fina, que ora se transformava em chuva, deixava as calçadas ainda mais escorregadias. Eu tentava me equilibrar em minha bota de salto alto, enquanto adentrava o hospital onde meu pai havia feito uma cirurgia do coração. Em uma das mãos estava o celular e na outra eu carregava um copo de capuccino.

Eu me um pouco cansada após sair do trabalho para visitar meu pai. Eu falava ao telefone com a Andressa. Ela nunca perdia a mania e sempre estava me dando conselhos. Achava que isso era coisa de irmão mais velho, que gostava de cuidar do irmão mais novo, e por isso, eu não me importava muito. Apenas a ouvia tagarelar em meus ouvidos.

— Isa, você diz para o papai e para a mamãe que eu mandei um abraço apertado e que assim que chegar de viagem, eu vou vê-los. — Andressa disse do outro lado da linha.

Lágrimas do coraçãoWhere stories live. Discover now