Capítulo 2

6 0 0
                                    


Não é todo mundo que acredita nas histórias de como os problemas de Patranha eram resolvidos. Quando ele costumava contar, com aquele jeito sério, como se tivesse contando os fatos mais óbvios e cotidianos, as crianças e os simples vibravam, mas havia aqueles que respiravam fundo e esperavam a história passar. Esta é aquela história em que Patranha tinha ficado à deriva no meio do Pacífico, sem recursos para atravessar o mar e completar a missão.

Considerando as opções mais improváveis, fez o seguinte: rasgou tiras das raízes do coqueiro e costurou com elas as folhas do coqueiro, sem arrancá-las do tronco, no entanto. Assim, transformou-as em uma vela, e aquele coqueiro no centro da Ilha, em um mastro, e a Ilha, em um veleiro.

Em seguida, arrumou a vela para receber o vento e, montado no coqueiro, Patranha manobrou sua ilha-veleiro, como se fosse um cocheiro numa carruagem. A ilha obedeceu e saiu do repouso, empurrada pelo vento em suas folhas.

Foi assim que, com uma ilha à vela, Patranha começou a navegar no Pacífico.

Pouco tempo depois, chegou à Ilha isolada no Pacífico, entre as Ilhas Carolinas, lugar em que estavam os pais de Graça, a menina que havia sido picada por uma cobra.

Acontece que sua Ilha-veleiro conseguiu aportar apenas numa praia no lado oeste da ilha. Se eles continuassem velejando, iam acabar sendo arremessados contra as pedras.

O problema é que a aldeia em que os missionários estavam ficava bem próxima da região costeira no leste. Isso significava uma única coisa: Patranha teria que atravessar a ilha inteira a pé.

Intensamente preocupado, ali na praia deserta, o agente percebeu ter pouquíssimo tempo até o veneno completar o efeito mortal na menina. Por isso, com muita pressa, mergulhou na mata densa da ilha, de modo a cortá-la em linha reta, da forma mais rápida possível.

A mata era virgem e não tinha caminhos abertos. Patranha arrancou um facão da mochila e lutou para abrir caminho e apressar sua passada.

Os mosquitos voltaram-se sedentos para o banquete sanguíneo de Patranha. Ao longe, ouvia-se também os mais diversos rugidos e piados, e sempre havia um grupo de macacos enormes acompanhando o agente do alto das árvores.

- Livingstone, tome cuidado com as cobras. Não vamos querer ser picados aqui nesta mata, para morrermos abandonados.

Patranha lutava contra a floresta com muita força e suava abundantemente. Quase sem pensar, ele avançava mesmo sendo segurado e enroscado pelos galhos e raízes. Ele não conseguia sentir suas forças acabando, nem sua pele furada e arranhada, pois a adrenalina o embriagava.

"Pai do céu" orou "Essa menina precisa de mim... se eu não chegar a tempo, ela vai morrer... não permita que eu falhe..."

O progresso, no entanto, era mínimo, e a força empenhada não condizia com o progresso que conquistava. As horas passavam e ele percebeu quando a tarde começou a cair:

- Neste passo nós nunca chegaremos lá, Livingstone.

O fôlego de Patranha pediu arrego e ele precisou encostar.

Enquanto buscava mais fôlego, sua mente começou a desenhar uma ideia improvável. Aqueles macacões continuavam a zanzar livres e ligeiros no alto das árvores, como a rir da lentidão dele.

Patranha resolveu dar cor à ideia e, guardando o facão, fez uma envira de uma tira de árvore. Calçou a envira e pôs-se a subir em uma árvore bastante alta.

Quando já estava acima da rota dos macacões, retocou a peripécia: pegou, de uma das árvores, um enorme cacho de bananas selvagem e o colocou na ponta de uma vara feita de um galho arrancado.

- Prepare-se para o passeio, Livingstone.

Estudou os pulos dos macacões e a velocidade do salto. Escolheu um deles para si.

Quando o macacão escolhido pulou logo abaixo dele, Patranha saltou para cima do bicho e agarrou-se como uma mochila nas costas do primata.

Segurou-se com uma das mãos em volta do pescoço do macaco, mas com a outra apontou sua vara com o cacho de bananas à frente. O símio, enfeitiçado pelas bananas, tentou pegá-las com suas grandes patas, mas a vara era longa, e estava fora do seu alcance. Assim, o macaco pulou para agarrar o cacho, e saltou para outra árvore. Mas, como a vara estava segura nas mãos de Patranha, e Patranha, preso nas costas do macaco, sempre que o macaco saltava para pegar a banana, a banana continuava distante. E assim continuou saltando.

Patranha e Livingstone voaram com velocidade pelo alto das árvores, montados nas costas do grande macaco da Micronésia, que perseguia o cacho de bananas preso por uma vara.

O agente aproveitou o passeio inusitado ouvindo U2 no volume máximo. O macaco tinha precisão e pulava sempre em cheio em cada árvore, com força, agilidade e velocidade, sem sentir o peso em suas costas.

Percorreram a floresta assim, de galho em galho, ao som de U2:

"I wanna run, I want to hide/ I wanna tear down the walls/ That hold me inside/ I wanna reach out/ And touch the flame/ Where the streets have no name"

Livingstone estava curtindo o passeio, preso ao laço da mochila de Patranha e balançando o pescoço no ritmo da música.

Até que, entre um galho e outro, a mochila de Patranha se prendeu em uma das árvores, de modo que se soltaram do primata, que seguiu e finalmente alcançou suas bananas. Mas o agente, por sua vez, desabou metros abaixo, quicando entre as grandes folhas e galhos, até chegar ao chão, desacordado.

Patranha e o antídoto da GraçaWhere stories live. Discover now