Peidanfa - Parte III

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Da janela do avião Júlio avistou a famosa ilha, tão frágil diante da imensidão do oceano. Um lugar com turismo controlado, com número de habitantes regulado e uma natureza estupenda, mais exuberante na parte submersa, onde corais e uma diversidade escandalosa de seres vivos compunham um ecossistema complexo e colorido. A notícia do jornal que lhe trouxera indicava que o famoso guru vivia ali. O homem que sabia controlar seu corpo e sua biologia de forma extraordinária, aquele que se concentrando regulava, a seu bel prazer, os movimentos involuntários de seus órgãos, diminuindo e aumentando batimentos cardíacos, o movimentar peristáltico, sua ereção e o que mais existisse. Conforme o avião descia, preparando-se para o pouso, mais Júlio sentia seu pulsar, sua pressão no estômago, seus tiques nervosos aumentarem.

No pequeno aeroporto pegou um táxi, que ali eram todos buggys. O trajeto até a pousada foi rápido, sentiu o clima quente, o vento forte e observou a vegetação arbustiva que dominava o entorno da estrada. O sol, apesar de reinar no céu, parecia ser mais gentil em seu queimar do que em outros lugares. A pousada era composta apenas de dois casebres rústicos, ambos com vista para o mar. Uma família típica da ilha administrava o local. Deixaram o hospede à vontade. Júlio arrumou suas coisas em um pequeno armário, bebeu uma cerveja e sentou-se na varanda observando a paisagem. O mar a poucos quilômetros, avistado do casebre que ficava em um ponto alto da ilha, tinha a água de uma beleza transcendental. A brisa era como o cafuné de sua mãe.

Logo pela manhã Júlio seguiu em sua missão.

"Estou procurando um homem que dizem que mora por aqui. Ele é conhecido como Otalfo. Você sabe onde posso encontrá-lo?" Perguntou Júlio ao dono dos casebres, após o café da manhã.

"Sim, claro! Esse horário ele costuma ficar lá no Forte Nossa Senhora dos Remédio."

Vieram as explicações de como chegar, era possível ir a pé e Júlio ficou feliz de andar conhecendo aquele paraíso. A caminhada foi dura, mas a paisagem não deixava o cansaço perdurar. O forte ficava no alto de um morro, próximo à orla marítima, lá havia um vento constante e era possível observar um mar de um azul enlouquecedor que se expandia reinando no horizonte. As ruínas do forte destoavam, irrisórias perto da beleza da natureza que ali se via. Júlio percorreu os muros de pedra, observou os canhões enferrujados, arcos de construções abandonadas e finalmente ao lado de uma casinha feita de pedras, viu o homem. Estava só de sunga, sentado em posição de lótus, de frente para a bela vista, o corpo moreno do sol, esguio, difícil de prever a idade, a barba branca longa e despreocupada, o rosto marcante com características de etnias indianas. Júlio aproximou-se e percebeu que o homem estava de olhos fechados, aparentemente em uma meditação profunda. Um barulho trépido surgiu junto a um cheiro de ervas, um perfume suave como aquela manhã. O barulho não cessava e Júlio teve que estapear o rosto, esfregar os olhos para crer no que via. O homem logo à frente estava flutuando, um levitar discreto, mas sem dúvida acima do solo. O barulho foi diminuindo e simultaneamente à levitação foi cessando. Quando a aterrisagem se completou o homem abriu os olhos e diante dele estava Júlio. Os dois trocaram olhares, havia cumplicidade, ambos sentiram como já se conhecessem.

"Desculpe-me, senhor! Não quis incomodar."

O homem sorriu e respondeu com sua voz imponente.

"Não atrapalhou."

"O senhor chama-se Otalfo?"

"Sim, esse é meu nome." Disse o homem levantando-se e levando consigo uma toalha. Júlio acompanhou-o no seu caminhar, seguiram descendo o morro.

Luz e EscuridãoWhere stories live. Discover now