Carpe Diem

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Virgílio, poeta latino, disse num poema para colhermos a vida, pois é basicamente a única coisa que podemos fazer. Quando não mais podemos colher não mais estamos vivos. Carpe diem quam minimum credula postero. Colhe o dia, quanto menos confia no de amanhã. A intensidade dos sentimentos de Gabrielle eram divinos. Ao ver uma tatuagem escrito carpe diem irritou-se. Nesse dia conheci Virgílio. Esse dia colhemos. Colhemos tulipas em Keukenhof. Tulipas lilases. Belas, frias, um sinal? Quantos não vivem sem entender os conceitos que pregam? Eu não mais, agora conheço o que prego, e por isso colho cada segundo do meu dia.

Quem semeia colhe. Semeie com sabedoria. Gabrielle semeava amor. Semeava vida. Semeava tudo o que eu não tinha. Minha mente semeava a fraqueza. Homem fraco, mulher forte. Como lidar?

Ela sempre me dizia que ninguém se expressava melhor que um poeta. Poesia era a forma mais pura de se demonstrar algo. Então para ela escrevi um poema.

Presença

Me domine.

Controle todo o meu ser.

Estupre a eternidade que.

Só me resta esperar em vão...

Habite sob minha pele.

Faça feridas em minha alma.

Abuse de cada átomo.

Marque a ferro cada célula.

Destrua minha vã existência.

Com a luz de sua vil.

Presença

A poesia é o alimento da alma. Nela colocamos todos nossos temores, angústias e talvez ali achemos a razão de vivermos. Muitas vezes escrevemos porque temos que escrever, não há outra alternativa. Pelo sim e pelo não. Pelo belo e pelo feio. Escrevemos para exorcizar nossos demônios interiores. Expulsá-los para o mais longe que pudermos. Poemas de amor são mais belo quando amores são perdidos. Quando usamos poemas para demonstrar o amor, estamos apenas sendo simplórios, o amor é algo que devemos evitar a todo custo. Nos toma de assalto e nos faz querer enlouquecer. Poesias de amor que dizem que amar é lindo são mentirosas. O amor apenas nos nubla os olhos e nos faz ver o que não existe. Eu vi em Gabrielle a presença divina. Deus não ama, julga. Fui julgado e culpado por amar. Pelo amor. Gabrielle era juíza, executora. Carrasco sem máscara. Como não amá-la?

Bebemos em cada pub. Amamos em cada língua. Todas as estações nos deram a mão. Queimamos nossas almas em cada latitude. Tudo o que queima, vira cinza. Com duas madeiras nossos antepassados conseguiam acender fogueiras e assim aquecer alimentos e se proteger dos predadores. Duas simples madeiras. Dois galhos. Em movimento. Com semelhança com o movimento de duas pernas. De duas pernas numa dança infernal. Gabrielle acendia em mim a chama da sedução. Queimava. Ardia. Doía. Eu amava. Mas suas faíscas não caiam só em mim. Todos se admiraram pela presença divida de Grabrielle. Divino e profano dividem graciosamente o mesmo corpo. Corpo. Espírito. Alma. Ser. Estar. Deus. Diabo. Lilith. Eva. Tentação. Serpente. Você. Você e eu. Nós e quem mais? Minha. Seu. De mais ninguém. De todo mundo.

Cinco... Seis... Sete... Oito...

Minha vida seguia a contagem de uma dança. Cinco... Seis... Sete... Oito... E bailamos as núpcias de Platão. Suas pernas se moviam, maravilhosamente. Dançavam. Seduziam. Enquanto as minhas, cansavam.

Há um monstro dentro de cada um de nós. O monstro que acredita ter tudo. O monstro que acredita que tudo o que nos cativa não é só nossa responsabilidade, mas nossa propriedade. O monstro que estragou a noite dançante de Casemiro de Abreu. Lascivo carmim. A mulher de São Valentim. A deusa dos enamorados não cessou a dança quando minhas pernas cederam. Outros pares acompanharam seus passos. O monstro que me comia por dentro rugia furiosamente. ELA É MINHA! Eu sou o louco que quer aprisionar sua presença divina.

Na manhã seguinte entreguei o poema. Com um beijo demorado ela me agradeceu. Estava distante. Dia após dia. Cada vez mais distante. Até não poder mais tocá-la. Cinco... Seis... Sete... Oito... Gabrielle sem entender tentou colher de mim o dia. Colher a verdade. Jogou lenha boa numa fogueira quase morta. Cedi. Disse-lhe do monstro. Narrei cada mordida. Descrevi cada presa. Cada ruga, brilho, cor, textura que via no monstro. Narrei. Como um confessor fui ouvido. Então a condenação.

"Estou com você, mas não pertenço a você" Estamos juntos porque ambos queremos a nós mesmos e ao outro bem. Não sou sua posse. Nunca te exigi nada. Nunca pedi nada. Apenas pedi sua companhia."

Sua liberdade divina era sua mais bela característica. Finalmente entendi que não se pode engaiolar um pássaro ou uma dança ou Gabrielle.

Gabrielle locuta, causa finita. 

LáskoWhere stories live. Discover now