capítulo único

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Passo após passo. Era tão surpreendentemente fácil... eu nunca pensei, sinceramente, que fosse mais fácil andar sabendo que há um precipício depois do que sabendo que não vai cair. Talvez isso ocorra devido ao fato de eu querer cair.

Provavelmente é por isso.

Fecho os olhos e sinto o vento bater em meu rosto. Era como um sopro de vida boa no ar, tentando me convencer a não pular. Mas eu já tinha pensado quanto a isso. Não valia a pena. Por mais coisas que eu fosse perder, a que eu ganhava valia mais pontos: não sangrar mais por causa de palavras e atos. Poder ser quem eu sou, ser livre para amar quem eu quiser.

Mais um passo, e eu consigo ouvir o vento cantar. Além de lésbica, eu era louca? Era isso que meu pai diria, provavelmente. Porque, para ele, ser lésbica era uma doença mental, tal como ser louca. Era algo que precisava de tratamento.

Eu tinha total consciência de que era ele que precisava de tratamento por pensar algo tão absurdo desse tipo, mas não era porque eu estava certa que a dor diminuía. Ele estava errado, mas não era por isso que eu deveria continuar indo em frente, sem querer.

- Moça, sai da sacada. Você é muito nova para brincar de morrer... - eu ouço alguém falar, e percebo que estou sozinha. O vento está falando comigo. Eu estou definitivamente louca. As lágrimas começam a saltar dos meus olhos sem que eu consiga impedir. Eu também sou muito nova para que o mundo brinque comigo de sofrer, e nem por isso fui impedida.

Eu quero gritar, mas eu tenho certeza de que alguém vai ouvir e vir me "acudir". Provavelmente algum aluno qualquer que provavelmente já tinha me chamado de "vadia", "vagabunda" ou "feminazi", algum aluno que não sabia que aquilo era pior do que colocar uma faca nas minhas costas.

Doía mais.

- Me diz o que há... O que a vida aprontou dessa vez? - o vento fala de novo. Eu já não me preocupava mais com o fato de estar louca. Não era como se eu fosse ficar viva por muito tempo, para procurar um tratamento.

O que a vida aprontou dessa vez? A vida apronta há muito tempo. Apronta por me fazer gostar de garotas. Apronta por fazer os outros odiarem garotas que gostam de garotas, mesmo que não tenha problema algum nisso. A vida aprontou fazendo do meu pai uma espécie de senhora dos absurdos, que não fala nada que preste.

Escola. A vida aprontou ao criar esse lugar. Na verdade, a vida aprontou ao transformar uma ideia tão fantástica em algo tão abominável. Escola. Um lugar que deveria fazer-nos aprender, deveria fazer com que os estudantes sejam pessoas melhores, e não dar oportunidade para deixar feridas tão fundas em outras pessoas que faz com que elas ao menos vejam onde elas vão parar. A escola não deveria ser um lugar onde toda a empatia fosse pro inferno.

Mais um passo. Era fácil. Eu só precisava pular, como num dos jogos que tinham sido realizados na aula de Educação Física, no último tempo antes de eu subir para a sacada. Era só pular. Fácil. Eu chego mais perto da ponta quando olho para trás. As cadeiras verdes e velhas, cheias de poeira, esperando para serem jogadas no lixo. Cartões respostas de provas e folhas que caíam das árvores no outono espalhados pelo chão.

A minha escola. Infelizmente. Mais uma lágrima escorre pelo meu rosto, e a última coisa que se passa pela minha cabeça é "Adeus".

E eu pulo.

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⏰ Last updated: Feb 10, 2017 ⏰

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AmiantoWhere stories live. Discover now