Capítulo 4

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Gustavo

Interessante. Essa era a única palavra que poderia pairar na minha mente nesse momento, e talvez o resto daquele dia. A viagem para Teresina foi uma longa trajetória de situações que alguém poderia dizer: uau, quanta coincidência! Mas essa frase não existe em meu repertório. Deitado em minha cama no hotel, percebo que todos os acontecimentos das últimas 24 horas estão em torno da garota do quarto ao lado.

Beatriz, linda e misteriosa. Quais as chances de se conhecer uma pessoa num voo, que está indo para a mesma cidade e para estreitar ainda mais, que se hospeda no mesmo hotel? Definitivamente, interessante.

A viagem foi uma caixa de surpresas, com um voo turbulento, ao lado de uma mulher morrendo de medo a cada sacolejada que o avião dava. Pode ser engraçado se você tiver um senso de humor legal e alguns problemas para esquecer. Lembrar da expressão de pânico no rosto dela, enquanto o avião balançava por conta das inúmeras manobras que o piloto realizou para desviar das nuvens carregadas, me fez sorrir.

Durante a viagem, nos momentos em que o avião retomava seu ritmo normal e que ela se acalmava, conversamos sobre vários assuntos. Descobri que seus pais eram missionários e que estão em viagem pela África, mas, não me revelou o motivo de sua viagem para o Brasil, e não a questionei. Não pude deixar de reparar em sua cara de estranheza quando afirmei ser missionário. Expliquei para ela o porquê da minha decisão de desbravar o mundo e espalhar a mensagem da cruz.

— Decidi ser missionário por que é algo que nasceu comigo desde o dia que conheci o amor de Deus. Minha família e eu conhecemos a verdade através de um jovem missionário que percorria várias cidades todos os anos. Sempre o admirei... seu rosto resplandeceu luz até o último dia de vida. João, era o seu nome. – Ela disse que sentia muito pela morte dele, ao que balancei a cabeça e afirmei: — Não se preocupe, foi há algum tempo e com certeza ele está em um ótimo lugar.

Ela me contou algumas de suas histórias, na maioria engraçadas, que envolviam fugas pela selva e motins em bases missionárias. O rumo da conversa mudou, e ela se abriu um pouco mais... contou-me sobre os pesadelos que tinha com frequência e as idas ao psicólogo para entender um trauma que a fez esquecer de grande parte de suas lembranças. Não sei explicar, mas enquanto ela contava, sem muitos detalhes, suas experiências, senti uma inexplicável vontade de tomá-la em meus braços e afirmar que tudo ficaria bem. Mas, para não parecer um louco, precisei me segurar nos braços da poltrona, fato que ela notou e questionou se eu estava passando bem.

Depois, falamos sobre nossos ideais de vida, preferencias de esporte e até sobre o ar condicionado do avião, que estava nos congelando, enfim, os assuntos mais variados possíveis. Era como se eu a estivesse salvando do enfado da viagem e, em troca, ela me salvava dos meus próprios pensamentos. O humor dela me fascinou, várias vezes precisei me conter para não sorrir de seus comentários afiados, prontos para me dilacerar.

Quando estávamos quase completando a viagem, depois das duas escalas, nossos olhos não resistiram ao cansaço e ao balanço do avião. Chegamos ao aeroporto e nossos vizinhos de poltronas precisaram nos acordar. A senhora que estava ao lado de Beatriz balançou a cabeça em sinal de desaprovação, como se tivéssemos ofendido alguma regra de etiqueta que diz ser proibido conversar em voos longos e ao final dormir pesadamente.

Fazia mais de uma hora que havíamos feito o check-in no hotel, e lembrar da cara de incredulidade dela quando me viu segurar a porta do elevador me fez sorrir novamente.

— Não acredito que você está aqui... você só pode estar me seguindo. Você é algum tipo de psicopata ou algo assim? – Soltou a pesada mala que trazia na mão que foi parar direto no meu pé.

Além do Esperado | DEGUSTAÇÃOΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα