Capítulo 2

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Ele despertou para o mundo outra vez. Entretanto, dessa vez não havia um ambiente hostil que tentava aniquilá-lo. O sobrevivente estava deitado sobre uma cama, rodeado por paredes de concreto e um piso feito do mesmo material, porém tratado para ficar mais bonito, liso e brilhoso.

Com um impulso, ele ergueu o corpo para sentar e logo baixou a cabeça. Esta doía intensamente, como se tivesse recebido uma forte pancada. Ao conseguir focar novamente em sua situação, percebeu que estava vestido. Não se tratava de nada luxuoso, lembrava bastante uma farda militar desgastada e botas com meias em seu interior vigiavam os pés da cama.

Seus olhos averiguaram o cômodo. Era pequeno, como um quarto. Não havia janelas, mas tinha uma porta. Seus demais companheiros eram apenas a lâmpada no centro do teto e uma mesa de madeira com uma gaveta de cada lado, além de uma cadeira, também feita do mesmo material.

Ele levantou em um pulo, novamente sentindo a fisgada na cabeça — o que lhe arrancou um franzir de cenho —, e foi até a mesa. As gavetas estavam vazias. Algo acima de si, preso ao teto, chamou sua atenção. Era uma câmera no encontro entre duas paredes. A julgar pela luz vermelha acesa, estava ligada. Ele a encarou bem, como que tentando descobrir se alguém o vigiava, e depois voltou a estudar o quarto.

Suas mãos tatearam as paredes, como um cego faz para reconhecer objetos. Elas encontraram uma lâmpada no meio da parede. Sem que precisasse raciocinar e sem entender como chegou àquela conclusão, reconheceu que era uma luz de emergência para o caso de falta de energia. Não tinha ideia de onde estava, como fora parar ali, nem sequer se lembrava de nada sobre sua vida.

Com um passo acelerado, em busca de respostas, encaminhou-se para a porta e tentou abri-la. Estava trancada. Usou mais força. Sem sorte. Um baixo som foi ouvido do outro lado. O homem aproximou a orelha e constatou que o ruído aumentava a cada segundo.

Quando ouviu o tilintar das chaves e alguém pôr a mão na maçaneta, o sobrevivente se afastou rapidamente, como se tivesse levado um choque. Sondou ao redor em busca de uma arma. Não fazia ideia de quem seria. Não podia confiar. E na falta de uma opção melhor, se agarrou com uma das botas no chão.

Mantendo-se colado na parede oposta à saída, ele aguardou que a porta fosse aberta. A adrenalina inundou seu organismo, como quando lutava pela sobrevivência no tanque cilíndrico. Ele não tinha ideia de quanto tempo havia se passado de um episódio para o seguinte, apenas notara que sentia seu corpo recuperado.

E uma forte dor de cabeça se fazia presente.

O ruído do destravamento se fez audível, a maçaneta foi baixada, e a porta deslocada. Um homem forte, com uma roupa semelhante a sua — porém, com uma jaqueta por cima, boné e uma camisa preta ao invés de branca — lhe apontou uma pistola assim que o viu em posição de ataque.

— Abaixe a bota, agora mesmo — intimou-o de forma autoritária. Mas o sobrevivente não obedeceu. — Eu disse agora!

— Está tudo bem, capitão Cooper — pronunciou pacificamente uma mulher que entrou em seguida. — Você pode abaixar sua arma.

O soldado hesitou por um instante, fitando a mulher pelo canto do olho, porém cedeu. Com o coração a mil, o desorientado alternou sua atenção entre os dois, enquanto decidia se permaneceria ali ou os atacava para sair correndo. As variáveis dificultaram seu planejamento quando outro homem adentrou o recinto.

Este aparentava ser inofensivo como a mulher de calça militar cinza e camisa branca à sua frente. O corpo franzino embaixo do jaleco e camisa verde, e os óculos e a barba grisalha — que denunciavam sua idade um pouco avançada — não dispararam seus sensores de perigo.

— Você pode confiar em nós — a mulher se manifestou, com a voz mansa. — Eu sou a diretora Elizabeth Callegari, e esses são o capitão Donald Cooper e o Dr. William Rogers. — O médico ajustou os óculos. — Você pode nos dizer o seu nome?

Ainda alerta, o aturdido vasculhou na memória a resposta certa.

— D-David. David McKay.

— É um prazer conhecê-lo, David — Elizabeth prosseguiu. — Você pode nos dizer mais alguma coisa sobre si mesmo?

Os funcionários imaginários em sua mente voltaram ao trabalho, contudo, nada conseguiram. A completa percepção de que toda sua vida lhe era desconhecida o fez perder o chão, e David — sem perceber — foi baixando a bota.

— Eu não sei nada a meu respeito... — Sua voz saiu falha.

— Isso é consequência da exposição que você sofreu à radiação e de todo o tempo que passou inconsciente se recuperando — esclareceu o Dr. Rogers. — Não se preocupe, podemos ajudá-lo com isso.

— Exposição? Radiação? Do que vocês estão falando?

Donald deixou escapar um riso de deboche antes de responder:

— Você andou orbitando a lua ou algo assim ultimamente? Omundo acabou, meu amigo.

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