Capítulo 1

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Sua mente despertou e ele teve consciência de que estava vivo. Contudo, seus olhos permaneceram cerrados. Estava ausente do mundo, igual a uma pessoa em um estágio de sono leve, que assim permanece até que algo a desperte. E foi o que ocorreu.

Como que recebendo um soco no estômago, o antes adormecido abriu os olhos. Um líquido viscoso envolvia todo seu corpo e deturpava sua visão. Nada fazia sentido. Não tinha ideia de onde se encontrava ou que fluído era aquele que retardava minimamente seus movimentos.

O soco no estômago novamente o acometeu.

O desorientado se deu conta de que não recebia o golpe de fato, seu corpo apenas se contraía quando seus pulmões buscavam desesperadamente por oxigênio. Não estava respirando.

Suas mãos passaram a se mover velozmente à procura de uma saída daquele meio submerso. Seus dedos encontraram paredes de vidro e, finalmente, ele notou o aparelho que cobria sua boca e nariz — como um respirador — e fios presos ao seu corpo que subiam para o topo do invólucro em que se encontrava.

A falta de ar voltou a açoitá-lo.

Sua cabeça começou a girar e o movimento acelerava a cada segundo que seu corpo sentia a ausência do gás essencial à vida humana.

Sem tempo para analisar cada detalhe do casulo que o envolvia, arrancou a máscara em sua face. Parecia ser um respirador de fato, um aparelho que permitia fazer o ar circular pelos pulmões embaixo d'água. Entretanto, não estava funcionando.

Quando o removeu, involuntariamente seus lábios se separaram e ele fez um grande esforço para respirar, como quem puxa o ar desesperadamente ao retornar à superfície após um profundo mergulho. Todavia, tudo que ingeriu foi o viscoso líquido quente ao seu redor, que ele constatou ter um gosto terrível e só o fez sufocar ainda mais.

Outra vez seus pulmões clamaram pelo combustível da vida.

Em pânico, sentindo seu corpo se desligar aos poucos, agitou-se violentamente na garrafa cilíndrica que o prendia, chutando-a e desferindo socos. O desespero o fez tentar gritar, por mais que soubesse que seria em vão.

Com o fluido reduzindo a força de seus golpes, ele sabia que não quebraria aquele túmulo. Porém, não se dava por vencido. Não poderia. A natureza humana faz com que as pessoas lutem até o último instante por suas vidas.

E assim o fez.

Exercendo muito esforço, ele não teve mais de onde tirar energia. E quando sentiu que seu fim havia chegado, a parede de vidro pareceu ter se compadecido e abriu em um movimento circular anti-horário. O líquido quente e viscoso desabou como um inimigo derrotado, escorrendo para o vazado piso metálico abaixo do cilindro e desaparecendo por entre suas aberturas.

Ele tombou sem resistência para fora do recipiente, recobrando a vida ao sentir o chão gelado em contato com seu corpo nu. Sua garganta se abriu e o sobrevivente puxou sucessivas e generosas lufadas de ar apressadamente, para que todas as suas células fossem reativadas e desistissem de morrer.

Sua cabeça ainda rodopiava, sua visão turva apenas identificava pontos coloridos espalhados pelo espaço em que se encontrava.

Um ruído foi ouvido, e uma porta metálica à sua frente — que ele não havia distinguido anteriormente — se moveu para a direita, abrindo espaço para que dois borrões humanos adentrassem o local.

— Está tudo bem, você está bem. Consegue nos ouvir?

A voz estava distante, e seu cérebro — ainda se recuperando da falta de ar —, não conseguia definir a forma de quem quer que estivesse falando com ele, assim como não processava corretamente o que era ouvido. Apenas percebeu que a voz era feminina. Ele sentiu uma mão segurar seu pulso.

— Os batimentos cardíacos estão regularizando. — Agora uma voz masculina se manifestava, seu dono era quem segurava seu braço. — Não se esforce demais, você ficará bem. Apenas relaxe e deixe seu corpo se recuperar.

Aquilo não precisava ser dito, não lhe restava um grama de força. Vencido pela dolorosa batalha pela vida que perdera e fora resgatado,ele finalmente se entregou. Seus olhos se cerraram e o mundo mergulhou em um profundo silêncio.


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