Capítulo I

330 65 33
                                    

Um ônibus estacionou na rodoviária de Carazinho, no interior do Rio Grande do Sul e dele desembarcou Lucas, um jovem estudante de Comunicação Social na UFRGS em Porto Alegre. Ele olhou a sua volta procurando por algo que pudesse reconhecer, mas foi em vão, fazia anos desde que havia visitado aquela cidade pela última vez e agora mal se lembrava de como chegar aos lugares. O importante é que tinha o endereço de onde deveria ir, então decidiu procurar por um taxista que pudesse o ajudar.

Desceu do táxi e permaneceu parado em frente a um prédio velho e decrepito, olhou para seu celular, procurando pelo nome do edifício do tal endereço e olhou incrédulo para o prédio a sua frente outra vez: "Edifício Nascer do Sol". Respirou fundo, ergueu a cabeça e adentrou a construção, não tinha tempo a perder. Informou ao porteiro o motivo de sua visita e pegou o elevador para subir até o último andar. Observou-se no espelho do elevador, com uma rachadura no centro, seus cabelos loiros estavam bagunçados devido a poltrona do ônibus, tentou arrumar rapidamente, antes do elevador fazer uma pausa no sexto andar.

As portas do elevador se abriram com um rangido e Lucas esperou que algum morador entrasse, mas tudo estava em silencio, decidiu então colocar a cabeça para fora do elevador e verificar se havia alguém por ali, mas o corredor estava vazio em ambas as direções. Olhou para seu relógio de pulso, apenas para constatar que estava dez minutos atrasado, resmungou irritado e o elevador voltou a subir, parando no décimo terceiro e último andar.

Andou até o apartamento mil trezentos e dois e apertou a campainha uma única vez, aguardando ansioso para ser recebido. Ouviu com atenção o barulho da porta sendo destrancada e em seguida uma mulher jovem a abriu.

— Boa tarde – disse ela, sem esconder um leve sorriso – posso ajudar?

— Meu nome é Lucas, eu vim para fazer a entrevista com a...

— Ah sim – interrompeu a mulher – pode entrar – eles adentraram o apartamento – a propósito, eu me chamo Olivia.

— Muito prazer – respondeu Lucas, tentando não fazer uma careta com o cheiro forte de cigarro e álcool que o apartamento exalava.

— Fique à vontade – a jovem mulher indicou o sofá para que Lucas se sentasse – Eu já volto.

Lucas observou Olivia, com seu corpo magro, frágil e de longos cabelos ruivos desaparecer em um corredor pouco iluminado, deixando-o sozinho naquela sala abafada e fedida. Os móveis rústicos e de tons escuros tornavam o lugar ainda menos aconchegante, assim como as plantas, que uma vez foram coloridas e belas, mas que agora estavam mortas e secavam aos poucos em um canto da sala. Ignorou o sofá e seguiu para a janela mais próxima, precisava respirar. Ficou surpreso com o que viu através daquela janela, toda a cidade, que não era grande, podia ser vista por ali. Era um local privilegiado.

— É uma bela cidade, não é? – Uma voz feminina surpreendeu Lucas, que se virou instintivamente para trás, tentando conter o susto.

— Com certeza é – Lucas estendeu a mão para a mulher – Você deve ser Cássia, certo? – a mulher assentiu com a cabeça – Eu sou o Lucas.

Eles se cumprimentaram e Cássia pediu para que o rapaz se sentasse, ele aceitou e sentou-se em um dos sofás, Cássia sentou-se em outro a sua frente e Olivia trouxe duas xícaras de café. Eles tinham muito o que conversar, ela tinha uma história para contar e ele um artigo para escrever.

— Porque você tem tanto interesse por este caso? – perguntou Cássia entre um gole de café e outro.

— Por curiosidade – Lucas fez uma pausa – é o instinto jornalístico falando mais alto. Um crime sem solução e que teve tanta repercussão, sempre será instigante.

Desde sua adolescência Lucas conhecia o caso do desaparecimento na mineradora, por ter nascido na cidade onde tudo ocorreu, cresceu acreditando que tudo não passava de uma lenda urbana mal contada. Como seria possível que tanta gente desaparecesse sem deixar nenhum vestígio além de sangue? Era a questão que sempre rondava sua cabeça. Colecionava revistas sobre o caso e Cássia estampava várias das capas, desde que começara o curso de comunicação, sempre tentou contato com a mulher, mas nunca teve respostas, até então.

Poucos meses atrás, Cássia havia entrado em contato com Lucas, marcando um encontro entre os dois, para que ela pudesse contar a ele tudo o que ele quisesse saber sobre o que havia acontecido em setenta e três. E Lucas poderia escrever sua tese, rica em detalhes, desde que, nada fosse divulgado antes do dia de sua apresentação. Ela queria sigilo, mesmo que fosse por um pequeno período de tempo.

— E porque você decidiu falar só agora? – foi a vez de Lucas questionar.

— Eu não consigo mais viver com isso – Cássia fez uma pausa breve, para pensar no que havia acabado de responder – O que importa é que você terá a sua história e eu poderei descansar.

— Então vamos lá.

Lucas pegou em sua mochila seu notebook e alguns blocos de notas, assim como todo o material que conseguiu trazer sobre o caso e os soltou sobre a mesa de centro. Seriam longas horas de conversa e ele não queria que nada passasse despercebido.

— Ela vai ficar conosco? – Lucas apontou para Olivia.

— Sim – Cássia acendeu um cigarro – ela é a única pessoa em quem eu ainda confio.

O rapaz concordou, seria útil uma terceira pessoa para ajudá-lo. Olivia poderia ficar encarregada de servir cafés, comida, água, ou até mesmo ajudá-lo a anotar o que Cássia falasse.

Outubro de 73 - AmostraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora