Outubro de 73 - Amostra

Prólogo

O cigarro acesso pendia entre o dedo indicador e o médio de sua mão esquerda, não lembrava da última vez que tinha fumado, havia largado o vício há anos, mas precisava relaxar naquele momento. Ainda mais agora que todas as lembranças retornavam a sua mente: desde os momentos divertidos, até os gritos de desespero.

Cicatrizes se faziam presentes por todo seu corpo, marcas que só remetiam a dor e sofrimento, de uma primavera marcada pelo medo. Respirou fundo e apagou o cigarro no cinzeiro, sobre a mesa de centro. Levantou-se do sofá em que estava sentada e andou até a cozinha, precisava beber alguma coisa, mesmo que ainda não soubesse muito bem como lidar com bebidas alcoólicas. Escolheu sua melhor garrafa de whisky e serviu uma dose em seu copo favorito, bebeu e serviu uma segunda.

Voltou para a sala e sentou-se novamente no sofá, sentiu uma leve dor de cabeça, levou suas mãos até suas têmporas e não pode evitar tocar as rugas nas laterais de seus olhos. "A idade vem para todos", pensou. Estava perto de completar sessenta e dois anos. Seus cabelos negros, com raízes esbranquiçadas que não eram retocadas há muito tempo, caiam em ondas sobre seus ombros, seus olhos castanhos e profundos já não tinham o mesmo brilho de antigamente e aos poucos ficavam cada vez mais sem vida.

A cada dia que passava se sentia mais cansada e carregada, precisava se livrar daquelas memórias, mas sabia que não seria fácil e continuaria sendo consumida por seu passado. Por este motivo, decidiu falar e expor seus segredos mais sombrios. Concederia uma entrevista a um jovem estudante de jornalismo que estava elaborando sua tese sobre um caso que chocou o Rio Grande do Sul e todo o Brasil em meados dos anos setenta e que, até hoje continuava sem solução.

Um grupo de estudantes desapareceu, apenas uma garota sobreviveu e teve que passar por inúmeros tratamentos psicológicos para se lembrar do que aconteceu. Cássia é o nome da sobrevivente, hoje ela vive sozinha em um apartamento, que foi comprado com o seguro de vida de seu falecido marido e com a mente repleta de recordações, em sua maioria traumatizantes. Hoje, Cássia se lembra, não exatamente de tudo o que aconteceu, mas o suficiente para esclarecer alguns fatos.

Foi em outubro de mil novecentos e setenta e três, em que ela e outros sete estudantes viajaram para o interior gaúcho, para conhecer uma antiga mineradora que estava sendo estudada por uma equipe formada por arqueólogos e geólogos. Todos estavam animados, tinham planos e curiosidades. Mas, todos também teriam suas vidas modificadas por completo, alguns tiveram chances de tentar sobreviver, mas outros não tiveram tanta sorte...