Rosto no Escuro

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— Aquela noite era aniversário de minha filha, minha linda Lillie. Lembro-me dos cachos louros de seu cabelo, era tão doce. E sabe, senhora, ela gostava muito de flores, cravos, ela sempre me pedia isso de aniversário, gostava do cheiro... Mas, por quê? Aquela noite, os cravos, por que eu não consegui dá-los? Eles estão lá, no quintal! Senhora! Alguma coisa aconteceu, eu ouvi um barulho forte, e uma dor, eu me lembro... Eu me lembro! Senhora, entregue aqueles cravos à ela, por favor! Entregue! Eles estão em um vasinho no quintal! Por favor, espere, diga que sim, ainda não, não me leve, ahhh!

— Seu tempo se esgotou.

— Não seja tão duro com ele.

— Se eu não o for, quem o será? Esse espírito está aqui porque foi um assassino, você sabe.

— Eu sei, ele enlouqueceu. Lillie... Ele a matou, não foi?

— Sim, a menina agora está na Catedral de Espíritos, se recuperando do choque da morte.

— Está... Ah... Quando isso tudo vai acabar?

— Eu não sei.

— Isso foi uma pergunta irônica, não precisava responder.

— Eu sei. Eu me pergunto o mesmo.

Meu nome é Cristinne, sou loura, despreocupada, fumante e cansada. Dizem que estou quase louca. Meu colega, Victor, está enlouquecendo comigo.

— Eu digo, qualquer dia estarei sendo trancada como os daqui.

— Cris, não fale assim.

— Por que não? Você também, eu não quero ser internada aqui sozinha.

— Droga, francamente, você tem razão.

— Já sabia.

— Uh... Vou tomar alguma coisa, vem comigo?

— Não, ainda tenho que ver esses papéis.

— Está bem.

Já estava saturada de trabalhar naquele quarto escuro, a claridade de quando a porta se abria era aliviante, ao mesmo tempo que a claridade que passava por entre as grades da pequena cela de espíritos era angustiante.

Os espíritos que estão aqui na Clínica são loucos; em vida, assassinaram, torturaram e fizeram todo tipo de atrocidades, mas esqueceram. Agora, mortos, querem voltar a viver como se nada tivessem feito. Meu trabalho é ouvi-los falar suas loucuras, até que se aliviem e se deem conta do que fizeram. Pelo menos, essa é minha área aqui, cuidar dos esquecidos.

O pequeno diálogo que tive ali com meu amigo foi a última vez. Pois a partir daqui, vou narrar a minha loucura, o meu processo, o meu último paciente. Penúltimo, na verdade.

Naquele escuro interminável, o paciente entrou no cárcere. Era belamente mais estranho que todos os outros, sua estranheza era sua beleza, muito aparente perante os outros espíritos. Estava acorrentado, faço questão de descrevê-lo, pois nenhum outro estava acorrentado, nenhum outro tinha o traço do queixo tão belo. Estava cabisbaixo, a ponto de o cabelo cobrir seus olhos.

O diálogo com este paciente, me lembro... Como se fosse a última coisa que fiz antes de estar aqui.

— Muito bem, conte-me o seu problema. O que te aflige?

— Ora, era pra eu perguntar isso para você.

Ele começara a "consulta".

— Não, meu bem, hoje eu te pergunto.

— Então está bem, vamos fazer isso. O que me aflige? Estar aqui, é o que me aflige.

— O que aqui te faz ficar aflita?

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