II - Cidade em Cinzas

Start from the beginning
                                    

-Me ajude a acordar todos - ela mandou, ecoando meus pensamentos e se abaixando ao lado de Jane – Jane, acorde, temos que nos arrumar.

-Nós vamos embora? - perguntou a menina, sonolenta, ao passo que Suzi, deitada perto de nós começava a acordar com o barulho.

-Sim, sim, vamos logo, se levante - Marsella a puxou para que ficasse em pé e arrumou, o melhor que pode, o emaranhado de largas e amassadas roupas verdes em volta da menina. Eu também não estava grande coisa, mas não tinha tempo de me preocupar com isso.

-Para onde nós vamos? - perguntou Jane, assustada, com os grandes olhos chocolate fitando Marsella.

-Eu ainda não sei minha querida, eu ainda não sei - Marsella beijou sua testa - Mas nós vamos ficar bem, certo? Vamos ficar juntas!

-E Bethany? - ela perguntou, ajudando a empilhar os colchonetes.

-Eu não acho que vou poder ir com vocês pequena - suspirei, me abaixando ao lado da senhora Francey e a acordando. - Eles não gostam de mandar muitas pessoas para o mesmo lugar.

-Mas... Você vai ficar sozinha! - ela gritou, diante a tal absurdo que isso era em sua cabeça de nove anos - Eles não podem te deixar sozinha!

-Eu não vou - garanti, tentando parecer o mais confiante possível - Tenho certeza que eu vou fazer novos amigos onde quer que eu vá parar, assim como você e Marsella também vão. Talvez eu até possa...

Me calei então. Percebi, em pânico, quão pequena era a chance de eu poder visita-las ou sequer mandar uma carta. Quais as chances de eu descobrir em que cidades elas haviam ido parar? Ninguém iria me dizer, e, mesmo se dissesse, eu não saberia a casa ou a rua onde elas acabaram se instalando.

Era um adeus. Definitivo.

Meus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez, e foi a minha vez de me virar apavorada para Marsella - Marsella...

-Está tudo bem, criança, tudo bem - ela falou, enquanto eu jogava os braços em volta dela - Você é uma menina forte Bethany, não deixe que isso te assuste. Se quiser nos encontrar, você vai. Você pode fazer qualquer coisa!

Assenti, respirando fundo e tentando manter a calma - Vou sentir sua falta, mãe!

Foi a vez dos olhos dela marejarem. O azul claro tornou-se escuro, e cheio de ondas, como o oceano no meio de uma tempestade. Me controlei para não chorar de novo, ela teria anos para se preocupar com Jane, não podia deixar que nos separássemos com ela preocupada comigo também.

A porta se abriu violentamente, e a senhora Francey entrou no salão arfando, parecendo ultrajada. Eu nem sequer vira que ela saíra depois que a acordei, mas ali estava ela.

-Senhora Francey, a senhora está bem? - perguntou Suzy, a ajudando a caminhar até uma cadeira, largada sem motivos ao lado das escadas. A mulher deixou-se largar-se sobre a cadeira como uma boneca de retalhos.

-Que tragédia terrível essa, minha pobre cidade - ela falou, aos prantos - Meu marido, feliz meu marido que morreu antes de ver isso. Tudo culpa daqueles negros malditos! Eu os amaldiçoo, amaldiçoo todos eles.

Respirei fundo, tentando não perder a calma. Não valeria de nada discutir com uma mulher daquela idade. Eu sabia que nem todos os negros eram apoiadores daquilo, diferente de muitas pessoas brancas. Mas era difícil para alguém mais velho - alguém que ouviu histórias dos pais ou dos avós, dos tempos de guerra - entender isso.

-Ah, pobre mulher - falou Marsella, parando ao meu lado no meio do salão - Está transtornada, para dizer essas coisas. Como pode culpar uma nação inteiro, uma raça inteira, por alguns tantos selvagens?

A Rainha Da Beleza - A Rainha da Beleza Livro I [NÃO REVISADO]Where stories live. Discover now