Sua Melhor Medicação

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Para a minha incrível mãe, 

Que definitivamente precisa deixar os remédios partirem - para bem longe, aliás. 


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Quantas doses de mim você precisa? Porque, sinceramente, eu acho que já passei da validade.

Eu sei que você pensa que fico melhor quanto estou acompanhada por um amargo vinho, mas, sem querer estragar as suas desconexas crenças, essa não é a verdade. No fundo, você é apenas mais um covarde que não tem a capacidade de me possuir por inteira. Se isso me magoa? Um pouco, (não pretendo mentir, diferente de você, não é mesmo?), afinal, você vai até o cômodo de madeira maciça, pega uma das suas garrafas empoeiradas que enfeitam a sua insignificante coleção alcoólica, torna o líquido seco sobre um copo rachado (o mesmo que você usa para beber aquele café barato), e então me observa. Você me fita atentamente, tentando inutilmente descobrir quem é a presa e o predador dessa caótica situação.

No entanto, você não suporta viver sem mim, eu sei, embora eu precise admitir que me sinto um pouco sufocada e, ao mesmo tempo, traída com tudo isso que está acontecendo. Você não sabe o que está acontecendo entre nós? Você está sendo sincero ou está só fingindo ser um verdadeiro idiota? E, por favor, me poupe dos seus mirabolantes discursos dizendo que não é bem assim, que você não está completamente (absurdamente, loucamente, possessivamente) dependente de mim.

Você me contou ontem à noite, quando falava em voz alta e andando de um lado ao outro, achando que as paredes brancas da cozinha poderiam preencher a sua mesquinha solidão. Você disse e sabe que estou falando a verdade, sabe que foram palavras suas. Suas palavras, não minhas. Você disse que não conseguiria dormir sem mim, ao menos, foi o que você mesmo falou para a Doutora no dia seguinte. Ela não gostou muito, é claro. Ela acha que eu faço mal a você, que eu sou severamente controladora, que eu faço você viver uma ilusão. Fico extremamente irritada com os "conselhos" dela. Eu sou a vítima, eu quem sou usada para saciar as suas loucuras, aliás, eu fico presa o dia todo. Você por acaso contou isso para aquela mulher louca? Contou para ela que você vai trabalhar e que me deixa em casa, acorrentada no quarto, bem perto da sua cama velha, enquanto leva outras para o serviço. Eu sei que há outras. Sei que você encontra-se com a Dona Rivotril todos os dias e no mesmo horário. Sem falta. Ou seria a Srta. Lorazepam? Ah, isso não tem relevância. E quando digo que não tem é porque estou sendo franca. Porque tenho a plena consciência de que sou única em sua vida. Você me deixa para mais tarde, porque sou especial, não é mesmo? Você diz que eu esmago os seus tenebrosos pesadelos e que sou capaz de te manter maravilhosamente calmo quando amanhece. Mas é claro que eu sou capaz. Por acaso, você esqueceu que foi eu quem o fez parar com aquelas suas esquisitices? Você sabe muito bem do que eu estou falando, então pare de se fingir de cínico. Estou falando sobre aquelas suas manias: Fechar a porta três vezes e depois voltar quatro vezes para conferir se realmente havia trancado o portão; lavar as mãos 31 vezes em um mesmo terrível e longo dia (nem mais e nem menos, lembra?). Tinha outras loucuras, obviamente, mas eu não sou muito boa de memória, como você já deve ter percebido.

Enfim, acho que estou divagando, não estou conseguindo ir direito ao assunto. A verdade é que eu sinto que estamos com problemas na nossa relação, sinto que você anda ouvindo demais a Doutora, sinto que você está optando em me ignorar (embora, cá entre nós, a sua mente esteja gritando violentamente pelo meu nome). Apenas fico desapontada porque você não fez questão de acabar logo com isso. Não porque você é um dependente químico ou insano, e sim porque é um gigantesco covarde. Você está me deixando mofar ao lado da cama, enquanto a poeira e os insetos consomem-me por inteira. E eu sei que você só está fazendo isso porque ainda me quer junto a si, quer ter a certeza de que estarei ali caso precise. Caso seja uma emergência e você esteja sedento pela minha presença. Em seu estado natural: Incontrolável. Mas eu não posso aceitar isso, entende?

Você acha que eu necessito de você? Não é possível que pense isso. Sério? Você acredita mesmo que eu me importo com a sua companhia? Ora, por favor, deixe de ser frouxo. Você realmente sempre foi meio tolo, no entanto, acho que está perdendo o juízo por completo. O mundo está moderno agora, meu amor, em breve outros vão me desejar fortemente. Então, por que você simplesmente não olha para mim e me joga pelo ralo abaixo? Dê um fim nisso, de uma vez, vai, anda! Oh. Acho que já entendi. Eu definitivamente não preciso de você... Mas... Talvez, você esteja crente de que, de fato, não sabe mais viver sem mim.

Você está viciado, querido. Há muito tempo, para ser honesta. Porém, eu não me viciei em você.

Deixe-me ir.     


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A Poesia dos Big BangsWhere stories live. Discover now