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   Encarei meu reflexo na parede do elevador, me sentia uma estranha. Tentava manter meus pensamentos focados no trabalho, no que eu deveria fazer assim que voltasse à minha mesa. Mas parecia que eu estava prestes a ter uma crise de ansiedade. De novo. Meu peito estava inflando mais e mais, andar por andar, como se eu estivesse sendo bombeada de dentro para fora.

Meu coração acelerado,resultado da curta corrida até o café mais próximo, deixava claro que eu tinha voltado ao grupo de sedentários. O peso no peito, resultado do término desastroso com Will tinha se transformado em oito quilos a mais na balança - e, um incômodo diário no trabalho. Eu me sentia indo em direção ao fundo do poço. Sabe aqueles pesadelos em que você está caindo e o chão nunca chega?

Os dois copos de café em minhas mãos traziam um pouco de calor muito bem-vindo. Janeiro não é um mês muito agradável para os moradores de Nova Iorque . Mas o que eu poderia dizer diante do pedido do meu chefe, além de: Sim, senhor.(?)

Recusar buscar aquele café, mesmo sabendo que existia uma pessoa que era paga por aquilo, não seria uma boa ideia. Will era do tipo que não sabia ouvir um não, e ele com certeza daria um jeito para que eu fosse demitida. 

Eu e meu gato precisávamos comer e de um lugar para morar, então, a opção que me restava era a mesma de sempre. Um sorriso ingênuo e satisfeito. Todas as vezes em que ele me achava nos cantos que eu imaginava serem pontos cegos, eu oscilava entre raiva e pavor. Os rostos dos nossos colegas de trabalho eram um misto de pena e insatisfação. Mas ninguém, nunca, jamais, ousou abrir a boca para me defender.

O elevador abriu e caminhei o mais rápido que podia. Ao abrir a porta ,depois de dois toques, fui surpreendida pelas mãos elegantes da secretária de Will -Quinn- ajeitando sua gravata e depositando um beijo casto no canto de seus lábios.

Meus olhos arderam ao encarar as duas figuras tão próximas. Quinn sorria como se ele fosse uma barra de ouro. E talvez ele valesse algumas. Já que o pai era primo do Sr.London.
Mas toda vez que eu me deparava com aquele tipo de cena. Com Quinn ajeitando sua bela gravata, desejava estar em seu lugar. Apertando a gravata ao redor daquele lindo pescoço bronzeado... Até partir sua traquéia.

"Era uma vez, uma garota que trabalhava cinco dias na semana e dez horas por dia para ganhar um salário terrivelmente baixo. Essa garota achava que seus problemas financeiros eram o fundo do poço de sua vida fracassada. Até que seu lindo namorado foi promovido e resolveu que sua nova secretária deveria fazer um trabalho extra durante o expediente..."

Eu sempre recitava a história em minha mente. Para nunca esquecer o quanto aquele homem era duas caras.

Mantive a expressão calma e entrei. Depositando os copos de café na mesa a minha frente. Assistindo o rosto de Quinn passar de branco para vermelho em questão de segundos. Ela ainda não tinha coragem de me encarar. De me olhar nos olhos e ver o reflexo da verdade exibido em meu rosto. Ela sabia que estávamos juntos, mesmo que nunca tivéssemos declarado em alto e bom som, a maioria das pessoas do setor financeiro sabiam, e agora, também sabiam que eu era a pobre auxiliar administrativa com uma penca de chifres.

William era bom no que fazia. O problema era que ele se achava o melhor do mundo. Bom demais para ter apenas uma mulher. Bom demais para achar que termos namorado deixou uma abertura para o assédio se tornar algo normal. Mas não era.

Depois de fazer a entrega sai para meu refúgio. A sala de arquivos. Contratos físicos, livros, revistas e tudo que envolvia a London Enterprise em papel era jogado ali. E eu tinha a função de organizar toda a parafernalha que enfiavam porta adentro. Era o lugar onde eu me escondia durante toda a semana. No quarto andar do prédio, muitos andares abaixo do homem que estava dormindo com sua secretária, mas que vez ou outra declarava me amar ardentemente.

Herdeiros -  O Jogo do AmorWhere stories live. Discover now