Capítulo 6 - Nosso filho

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Ele sempre teve cabelos ruivos, em seu rosto sardas avermelhadas, todas as vezes que visitamos o lar de adoção ele sempre ficou solitário em um velho balanço. Guilherme já havia sido rejeitado mais de quatro vezes por casais tidos como normais. Guilherme era uma criança introvertida, magoada e cansada. A rejeição o fizera ser assim, ter medo dos outros era natural, e por defesa se afastava e ficava sempre ali, sozinho olhando com um misto de tristeza e dor enquanto se balançava no balanço.

Ele sempre estava ali, enquanto todas as outras crianças se enturmavam com os adultos que ali frequentavam, ele permanecia em seu mundo, em um balançar silencioso e melancólico. Não havia o menor sinal de esperança em seu olhar vazio e sem vida. Meu marido sabia o que era ser rejeitado, estar sozinho em um mundo tão grande e cruel e foi por ele estar ali sozinho, que ele se aproximou. Caleb sentou-se no chão ao lado do balanço, agora, imóvel.

- O que faz aqui? – disse Guilherme da maneira mais rude que podia.

- Bem estou aproveitando a sombra. – disse Caleb com um sorriso. – Porque não esta com os outros?

Ele suspirou e pegou um pequeno impulso com a ponta dos pés.

- Sabe quando se houve uma mentira varias vezes, com o tempo ela se torna verdade? – ele olhou para Caleb, parecia tão maduro para a idade que me surpreendeu.

- Uma vez.

- Sorte sua. – ele deu um largo sorriso e seus pés pararam de balançar no ar.

Ele se levantou e caminhou devagar ate a entrada do orfanato, mas antes ele parou e se virou. Seus olhos pareciam curiosos, ele olhou Caleb e depois para mim.

- Posso perguntar uma coisa?

Caleb deu um sorriso terno em resposta.

- Vocês estão juntos?

Olhei para Caleb que o chamou com um meneio de mão enquanto mantinha o mesmo sorriso em seu rosto.

- Pode guardar um segredo?

- Sim. – disse ele aproximando.

- Gostaria de ter dois pais?

Ele apenas nos olhou e se virou, sem dizer uma única palavra.

Caleb nunca foi o tipo de homem que desiste fácil de alguma coisa, depois que ele enfia algo na cabeça não havia muitas chances de que ele mudasse de ideia. Nos meses que se seguiram sempre que íamos ao orfanato, ele sempre estava lá. Seus pés tocavam levemente o chão e pegavam impulso. Caleb se aproximava e falava com ele, e como todas as vezes ele parava o balanço, descia e saia de lá sem falar nada.

Meu amado marido havia encontrado alguém tão cabeça dura quanto ele. Guilherme não acreditava em nenhuma das palavras de Caleb quando se tratava de ser adotado. Ele sempre ficava em silencio e saia. E em uma de nossas ultimas visitas, com toda a papelada em andamento para a adoção dele, não havia avanços.

- Porque ele não me deixa passar? – perguntou Caleb olhando para o teto, sua testa franzida mostrava sinais de preocupação. – Será que ele não quer ser nosso filho?

- Você está muito preocupado.

- E não deveria? – seus olhos estavam nos meus.

- Ele só esta ferido meu amor. Ele deve duvidar de qualquer pessoa que se aproxime dele. Você o entende, mas do que qualquer um. Sabe o que é ser rejeitado, abandonado e não ter ninguém. Você vai conquista-lo com o tempo.

- Você acha?

- Eu tenho certeza.

Uma semana havia se passado. O carro deslizava sob o asfalto molhado. Chovia naquela manhã de junho, quando por uma fração de segundo vejo uma criança de cabelos ruivos e sardas. Vestia roupas familiares enquanto era puxado por um homem que aparentava ter trinta e oito anos.

- Caleb!? – apontei para o garoto.

Em uma fração de segundo Caleb freou e deu um cavalo de pau com o carro, cantou pneu em direção a uma espécie de pousada que era conhecida por ser local frequente de orgias com garotas e garotos de programa da região. Em uma fração de segundo o carro estava parado na frente do homem. Quando dei por mim Caleb estava do lado de fora com a mão no pescoço do homem.

Guilherme tinha um olhar vazio e sem vida, não se aguentava em pé, corri para pega-lo. Ele me olhou como se procura-se reconhecer quem eu era.

- Por favor. – dizia ele quase sussurrando – Não quero que me toquem mais... – dizia ele enquanto seus olhos perambulavam pelas orbitas.

- O que você fez com meu filho? – Caleb gritava enquanto socava-lhe a face.

- Caleb! – gritei.

Ele me olhou com Guilherme nos braços e no instante seguinte estávamos indo em direção a um hospital, então desde este dia o pequeno garoto ruivo ficou sob nossos cuidados. Nosso filho.

Eu sou Demais - Livro III (Romance Gay)On viuen les histories. Descobreix ara