O primeiro dia

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Acordou às oito da manhã. Bocejou, fez suas preces, agradeceu. Levantou-se, correu para o chuveiro, banhou-se, comeu qualquer coisa e se arrumou para, então, sair.

Ângela tinha pressa. Aquele era o seu primeiro dia de trabalho e ela não queria se atrasar. Havia sacrificado sua vida pessoal para conseguir aquele emprego.

Na rua, andou a passos largos. Sorria por fora e gargalhava mentalmente pela vitória alcançada. Imaginou-se no novo trabalho, conhecendo a nova equipe, sendo útil. Respondeu ao "bom dia" dado pela vizinha, ligou para os pais, residentes em outra cidade, e disse que estava a caminho do novo emprego. Passou por duas quadras, chegou ao ponto de ônibus, teve uma surpresa.

O local estava vazio. Completamente vazio. Ela sentou na bancada, olhou o relógio, lembrou-se que muitas pessoas estavam no ponto durante aquele horário. "Espero que os motoristas não estejam em greve. Hoje é o grande dia e nada pode me atrapalhar."

Duas pessoas se aproximaram. Um homem e uma mulher. Ângela sentiu-se aliviada ao presumir que não havia greve alguma. Não via a hora de chegar ao instituto, quando uma van parou em frente ao ponto. Um rapaz magro, com olhos faiscantes, gritou:

  - Centro! Bora gente, tem lugar!

Ângela e o homem ao lado dela levantaram-se. Caminharam até o veículo. No meio do caminho, ouviu uma voz feminina dizer:

  - Não entrem! Para você, rapaz, será complicado. Você, moça, passará mais dificuldades ainda. Um ônibus virá em cinco minutos.
  - Falou comigo, moça? - perguntou o homem ao lado de Ângela.
  - Não. Eu não disse nada - respondeu Ângela.

Olhou para trás. Não viu ninguém. Contudo, tais palavras ficaram retidas em sua mente. O homem entrou, ela parou.

  - Bora, moça! Tem lugar e o ônibus quebrou lá atrás!
- Não entre - disse a misteriosa voz.

Ela tremeu, indecisa. Percebeu o olhar lascivo do rapaz e disse:

- Eu não vou. Obrigada.
- Entra, moça! Tem lugar!
- Eu não vou!

Ele fechou a porta, o veículo partiu e Ângela roeu as unhas. "E se essa voz foi apenas algo em minha cabeça? E se o ônibus não chegar? E se eu me atrasar?", pensou.

O coletivo chegou poucos minutos depois. Ângela ingressou no veículo, pagou a passagem, passou pela catraca, espremeu-se entre outros passageiros. Estimava chegar ao destino em meia hora, antes do horário marcado. Sua mente estava em uma sala, atrás de um computador, lidando com questionários e planilhas.

De repente veio o incômodo. Sentiu algo atrás de si, um corpo masculino, um hálito, um toque. Espremeu-se, deu um passo adiante, imitado pelo outro. Pressionou os dentes e quis gritar, mas sentiu medo de ser tomada como louca naquela terra desconhecida. Aquele era o seu primeiro dia e não podia ser assim, não devia. Ouviu ao mesmo tempo sussurros grotescos de quem a oprimia e uma voz, aquela voz:

- Vire-se para frente, force a passagem e vá para trás! Lá conseguirá ajuda!

Assim foi feito. Após passar com dificuldades, Angela foi seguida até o algoz perceber a presença de duas policiais em serviço. Ele recuou , ela respirou fundo, secou as lágrimas, pensou em denunciar. Mas aquele era o primeiro dia.

Desceu do ônibus e olhou para trás. Foi a única a fazê-lo. No entanto, viu dentro do veículo a mesma mulher que estava no ponto. Teve a impressão de que os olhos dela eram dourados.

Caminhou até o edifício. Entrou, tomou o elevador, olhou para o relógio, saiu no andar indicado. Voltou a sorrir. Andou até o RH, assinou papeis, foi levada ao setor. Apresentada ao chefe e à equipe, começou a trabalhar. Algum tempo depois, ouviu um colega dizer ao outro:

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