Youth - Gay

2. Pintando de Azul

Eu sei que você está vendo Preto e Branco, então eu vou pintar um limpo céu azul para você.

Eu corri sem rumo, eu não sabia para onde ir nem onde eu queria ir,  as cores estavam embaçadas e se misturavam num grande paraíso, perfeito para se perder. Eu gostaria de voltar para casa, mas eu me dou conta de que a casa é só uma sala vazia com meus sons mais seguros, as luzes estão acesas mas não tem ninguém em casa.

Todos os meus pensamentos me levaram a Dave, e eu não pude negar que senti sua falta o dia todo, ficava surreal o quanto nos aproximávamos mesmo sem querer. "Eu gostaria de segurar sua mão..." eu o olhei com preocupação, eu também queria...Um desejo que batia forte no meu coração, mas eu tinha prometido não perder o controle, tinha prometido não fazer isso com meus pais. "Era tudo que eu mais queria.." ele repetiu decepcionado, eu encarei seus lindos e profundos olhos azuis, e quando fiz isso todas as cores, o espaço ao meu redor, ficou mais saturado, mais intenso, a forma que ele prendia as coisas, a forma como me prendia...Num mundo completamente escondido, com todos os fantasmas da madrugada.

Momentaneamente eu joguei tudo para o ar, encostando nossos lábios, sentindo seu cheiro de novo, e as poucas memórias da felicidade recíproca inundaram minha mente e meu coração. Eu quis que a gente estivesse junto, eu quis que meus pais soubessem de mim, e isso foi suficiente para me fazer desistir, eu me separei dele e comecei a chorar, julgando a mim mesmo. "Você tem que contar Charlie...Não vai ser segredo 'pra' sempre." ele segurou minha mão de novo, como me acalmava...mas eu neguei, não queria estragar tudo. "Me entende por favor Dav, eu não posso fazer isso!" chorei mais, solucei e gritei, sufocando minha respiração, ele me abraçou e chorou também. "Você é legal, a gente acabou de se conhecer...E eu chamei sua mãe aqui, você vai contar para ela, agora." ele apontou para fora do quarto, e eu me senti inseguro, me senti pequeno e fraco, mas eu senti raiva dele, ele não podia simplesmente tomar as decisões por mim, eu o empurrei fazendo com que ele batesse as costas na cama, e eu saí de lá bufando, e encontrando minha mãe inquieta na cozinha, ela foi ao meu encontro perguntando o que aconteceu e sobre o que eu queria falar, eu decidi falar, mas não por ele, não por tudo que eu queria que ele representasse, nem por mim...Mas porque a mulher que me deu a luz merecia saber sobre a verdade. "Mãe, eu não consigo mais esconder isso de você, EU SOU GAY." ela me olhou como se tudo aquilo fosse uma brincadeira e me segurou com tanta força que a ponta dos seus dedos ficaram brancos. "Isso é algum tipo de brincadeira Charlie?" eu neguei olhando para ela com tanta vergonha...Mas isso era errado, eu devia estar orgulhoso, sim...Orgulhoso de quem eu sou, de quem eu escolhi ser, livremente...Eu nasci como deveria, não é segredo para ninguém! "CHARLIE, EU CUIDEI DE VOCÊ, EU TE DEI TANTO AMOR, PORQUE VOCÊ DECIDIU FAZER ISSO COMI...COM A GENTE, AGORA?" ela me empurrou na parede, eu comecei a chorar compulsivamente, e ela também "ME DESCULPA MÃE, EU NASCI ASSIM!" então ela me deu um tapa tão forte que meu rosto ficou vermelho e eu comecei a chorar mais. "NÃO CHARLIE, NÃO NASCEU ASSIM, VOCÊ NÃO NASCEU COMO UM IDIOTA! NÃO FOI ISSO QUE EU TE ENSINEI!" ela então se afastou de mim e começou a chorar mais ainda, soluçar negar com a cabeça. "MÃE! Isso não é idiota...é quem eu sou, e eu sou orgulhoso por gostar de homens." Ela me olhou com  tanta decepção que meu coração murchou. "É por causa daquele vizinho Charlie? Do filho da Summer?" eu neguei rápido, ela não podia tentar entender? "É SIM...VOCÊ NUNCA FOI ASSIM CHARLIE! SEU PAI TE MATARIA...ELE TE...EU NEM SEI O QUE ELE VAI FAZER COM VOCÊ." Eu não podia pedir para que ela não contasse, já estava feito, meu pai chegaria em casa e eu não seria mais seu filho. "Você está proibido de ver o Dave, até segunda ordem, e está proibido de sair de casa, vai apenas da casa para escola e vice-versa." eu tentei suplicar que ela voltasse atrás, revisse seus conceitos, mas ela bateu a porta e me trancou lá, sem Dave e sem ninguém.

Ainda nessa noite difícil, depois de muito choro eu comecei a pintar, eu me sentia sozinho e parecia que o mundo todo estava preto e branco, que tudo tinha apagado, e eu nem podia conversar com meu único amigo que realmente me entendia...Se é que Dave era meu amigo. Ele subiu pela janela e estava no meu quarto, eu tentei lhe avisar que se minha mãe o visse estaríamos perdidos, mas ele fez questão de me abraçar. "Eu sinto muito por te chamado ela..." eu lhe disse que alguma hora aconteceria, eu já nem estava mais com raiva dele, ele disse que iria pintar também, então eu parei e deitei na cama para observa-lo melhor, ele sorria de minuto em minuto e olhava para cima, misteriosamente, então ele me chamou para ver o trabalho, um lindo céu azul dentro de olhos verdes, eu perguntei o que significava. "Sabe Charlie, é muito bom passar meu tempo com você, e se está se sentindo sozinho agora, eu fiz um novo céu azul para você...Para nós dois." eu sorri e o abracei, sim ele era meu amigo... "Sempre que eu abro os olhos está chovendo...É algum sinal ruim" ele passou a mão no meu cabelo e me deu um selinho, se despediu e foi embora...Pelo menos por aquela noite.

Pela manhã eu passei pela porta dele quando eu ia para escola, Dave estava com uma menina loira...Ele estava beijando ela...Eu olhei para aquilo tão indignada, eu queria chorar como ele pôde mentir? Eu decidi resolver aquilo, esperei que ela fosse embora e abordei ele. "Você é um idiota, porque está fingindo ser quem não é?" então ele começou a rir com maldade, uma face que eu não tinha visto antes. "Diferente de você charliezinho, eu sei como agradar a mamãe." eu o olhei com indiferença e dei um passo em falso para ir embora. "Eu gosto de você Dave...Mais do que gostaria." então ele segurou meu rosto e riu mais. "Tão ingênuo o jovem Charlie, quando você ia se dar conta que eu só estava me divertindo com você?" então eu chorei frágil na frente dele e saí correndo para escola, pensando em tanto, pensando em nada...Estava ficando louco, tentando não me apaixonar, ele estava me usando esse tempo todo...Alguns meses foram suficientes para descobrir que confiar em alguém é tão perigoso...