Capítulo 2

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Eles chegaram à porta do quarto no qual eu dormia.

Bateram.

Lembro que a cada toque na porta, era uma batida de meu coração. Não sabia o porquê, mas eu estava assustada. Talvez eles estivessem atrás de outra pessoa, ou seria apenas uma visita.

Muita coisa se passou em minha cabeça. Até que escutei a Joaninha bater mais forte e chamar por mim:

- “Abra a porta Estrelinha, você têm visita!”

Então era eu mesma.  Eles estavam ali por mim. Nunca estiveram ali por mim. A não ser para conversar sobre:

“Como você está?

Como está se sentindo hoje?

Está sendo bem cuidada?”

E as respostas sempre eram as mesmas:

  “Sim, estou bem!” – respondia para todas elas, mesmo que às vezes “estou bem” não fosse verdade.

Os dias que me sentia triste eram apenas o que tinha que dizer adeus a alguém. Claro que ficava feliz por todos, quando aconteciam, eles finalmente iriam para casa, um lar de verdade.

Quando cheguei nesse lugar era em uma noite de natal. segundo Joaninha, eu era muito pequena.  Confesso que lembro apenas de uma coisa:
Uma mulher que de costas tinham os cabelos pretos e longos indo para longe sem ao menos olhar para trás, sem ao menos um adeus.

Fiquei sentada na escadinha, na entrada do prédio velho, até não mais ver a mulher. Sua voz ecoava em minha cabeça, “sente-se aqui Estela, não levante até alguém sair daqui de dentro entendeu?”.
Confirmei com a cabeça e esperei...

A porta se abriu e senti uma mão tocar meu ombro. Não me lembro, ao certo, por quanto tempo fiquei lá sentada esperando. Depois disso, apenas essas duas memórias se fixaram em minha mente. A voz da mulher e sua imagem indo para longe, sem aviso de volta.

Joaninha disse que eu tinha dois anos, e um corpo muito franzino para minha idade. Ela sempre diz que meus olhos eram tão grandes, que chegavam a brilhar mais e mais a cada piscada. Disse que sempre fui muito corajosa, pois nem ao menos fiquei com medo da escuridão que estava fazendo naquela noite.

Eu abri a porta do quarto e Joaninha entrou com duas pessoas, uma mulher linda de cabelos longos e loiros como o sol, e um homem muito alto e cabelos pretos como a noite. Eles formavam um belo casal, “o dia e a noite”, - pensei.

Notei que estavam mais assustados que eu, como se temessem alguma rejeição. Já havia visto muitas expressões como aquelas, todos que visitam o prédio velho faziam a mesma cara de medo. Sempre me perguntava o porquê, já que eles eram mais intimidantes que qualquer criança ali.

Os cumprimentei, como sempre oferecendo a mão, primeiro para a mulher, que por um momento ficou me olhando como se não esperasse o ato. Depois aceitou meu cumprimento com um belo sorriso, olhei e fiz a mesma coisa com o homem.

Conversamos sobre muitas coisas, descobri que se chamavam Lilian e Júlio. Ela é escritora e ele dono de uma editora de livros e revistas.
Gostei de conhecê-los, o medo de nós três foi passando a cada minuto que falávamos. Eles passaram toda a manhã ali no meu quarto.  Falaram de tudo, e até do problema deles de não poderem ter filhos, na verdade dela.
Depois daquele encontro, toda semana eles vinham me visitar. Assim, vários meses se passaram e chegou o dia em que fomos liberados para passeios externos.
Neste dia, visitamos muitos lugares da cidade, até o local onde eles trabalhavam. Fiquei tão encantada com o lugar...  Era bonito e muito organizado. Gostei muito daquele ambiente. Tinha um cheiro bom... Cheiro de livro novo.

As visitas duraram três anos. Tempo que o processo de adoção levou para ser concluído.

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Mais um pouquinho de nossa Estrelinha....
Obrigada novamente por estarem acompanhando...
Aguardo os comentários,
Até breve!

Presente Inusitado (Completo)Where stories live. Discover now