Prólogo

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Preciso de uma bicicleta nova. A minha já está bem velha, enferrujada e quase... inutilizável. Mas é preciso esperar. Como o meu pai sempre diz: "dinheiro não cai do céu, minha filha.". E, ultimamente, a preocupação da minha família tem sido a alimentação.
    Não temos muitas condições de vida. Quando eu nasci, meus pais foram obrigados a abrir uma lavanderia em baixo de nossa casa, e até que lucramos bastante lavando roupas. Eu e meu irmão estudamos em uma escola pública, se é que dá para chamar aquele lugar encardido de escola.
Estacionei a bicicleta em frente à Escola Shinhwa. Observei aquele lugar, que mais parecia um castelo. Devo ter ficado uns dez minutos só lá na frente, olhando, para decorar cada detalhe e depois descrever para a minha família. Sai do meu transe e voltei para a vida real, lembrando que sou uma entregadora de roupas lavadas e odeio a Escola Shinhwa. Lembrei que sou Geum Jan Di, a menininha pobre revoltada que bate em todo mundo. E não sou uma estudante daqui.
    Retirei o cabide da arara que embuti na bicicleta e caminhei até as escadas largas e compridas, ainda olhando aos arredores. Tropecei, e olhei para os lados, como se nada tivesse acontecido. Sorri sozinha, e, na minha frente, um aglomerado de gente estava olhando para cima. Outro grupo de pessoas, que pareciam estatuetas de tão pequenas, estavam assistindo um garoto que estava prestes a se jogas do topo do prédio da escola. Sem saber o que fazer, subi as escadas correndo até lá em cima, conseguindo chegar a tempo.
-Ei! - gritei, sem fôlego. Flexionei os joelhos e continuei. - O que está fazendo?
O menino se virou pra mim. Seu rosto estava ensanguentado. Cortes abertos em suas têmporas expeliam sangue por toda a lateral do rosto. Seus lábios estavam em carne viva, as juntas de suas mãos estavam cortadas e de seu  nariz pingava sangue. Ele arrumou a franja que caía sobre seus olhos e me observou, sem expressão.
- Quem é você? - disse, com a voz fraca. - E o que adianta eu te falar? Não vai cicatrizar todos os meus cortes. - Ele passou os dedos sujos pelos ferimentos.
Suspirei, irritada por ele ter sido grosso comigo e levantei o cabide, com uma expressão irônica.
- Esse uniforme por acaso não é seu, Sr... - parei de falar, para fazer suspense - Suk Dong Yul?
Todos me olharam confusos, e eu prossegui:
-Você mandou seu uniforme para a lavanderia Jan Di. - olhei para o uniforme, que estava dentro da capa. - E você deve pagar 25000 won. - estendi a mão, esperando receber o dinheiro.
Sem se virar, ele impôs:
- Envie as despesas para a minha família.
Dong Yul levantou os braços para os lados, na altura dos ombros, fechou os olhos e foi caindo lentamente para a frente. Todos estavam olhando chocados para ele, e sussurravam algumas coisas.
Larguei o cabide no chão e cheguei a tempo de salvá-lo da morte. Todo mundo começou a murmurar algo, e eu me concentrei em segurar forte o menino. Meu coração estava batendo muito rápido, e eu estava sem fôlego. O corpo de Dong Yul estava mole, e balançava com o vento.
Um garoto loiro sorridente me ajudou a puxar Dong Yul para cima e eu ofegava. Me abaixei e sussurrei no ouvido do garoto;
-Se você não pagar o que deve, vai se ver comigo.
Peguei apenas o cabide que pendia na roupa e caminhei, pisando duro. O grupinho de alunos metidos se separou em dois, abrindo caminho para mim. Não olhei para a cara de nenhum, mesmo sentindo os olhares chocados observando cada gesto meu. Estava irritada, sem motivo. Bufei, e comecei a descer as escadas com pressa.
    Subi na bicicleta e murmurei para mim mesma:
-Odeio a Escola Shinhwa!

Meninos Antes de FloresOnde as histórias ganham vida. Descobre agora