Capítulo 2

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Nos dois dias que se seguiram, Ander não apareceu para a aula de natação. No terceiro dia eu tinha chegado cedo e nadava livremente pela piscina.

De repente percebi que alguém estava agachado na borda. Eu não conseguia distinguir quem era, pois a água fazia a imagem tremeluzir.

Permaneci submersa por mais alguns segundos para só então ir para a superfície.

Quase engasguei quando vi Ander ali parado olhando para mim. Ele tinha alguns pontos no supercílio, mas tirando isso parecia bem.

– Olá, como você está? – perguntei muito sem jeito.

Ele tocou levemente o corte recém fechado e deu de ombros.

– Isso não foi nada! – ele disse abrindo um mega sorriso para mim. Seus dentes eram tão brancos que poderiam me cegar dependendo do ângulo de incidência da luz.

– Que bom. – conseguir balbuciar.

Nossa, ele era bonito mesmo, principalmente seco e consciente.

– Era você que estava na piscina quando eu caí, não era? – não foi uma pergunta.

– Sim, era eu.

– Então, obrigado por me salvar. – ele sorriu novamente.

– Eu não fiz nada. – disse eu dando de ombros.

– Fez sim! – insistiu ele.

Ficamos em silencio por um tempo tão longo que comecei a viajar na maionese. Por fim, disse algo que me incomodava desde o dia do acidente:

– Por que você não nadou? – perguntei de repente.

– Como é? – Ander fez cara de "ué?" para mim.

– No dia que você caiu na piscina, quando eu salvei você. – expliquei pacientemente.

– Bem, eu bati a cabeça. – ele colocou um dedo na sutura.

– E por que você caiu para começo de conversa? – ops! Falei sem pensar, aquilo não era da minha conta.

– Bem, eu... – ele começou sem saber ao certo o que me dizer; suas bochechas começaram a ficar coradas. – eu parei para olhar quem estava nadando; quando cheguei mais perto para ver quem era, escorreguei. Acho que bati forte a cabeça porque não me lembro de ter caído na água.

Ah isso explica muita coisa! Seria cômico um aluno de natação, que nada super bem, morrer afogado.

Comecei a boiar de costas na piscina. Ander me olhava atentamente e isso estava me deixando sem jeito.

– Eu gostaria de te agradecer...

– Você já fez isso. – interrompi Ander.

– Gostaria de te agradecer direito. – ele fez uma pausa e desta vez esperei que terminasse. – Vou te levar para comer alguma coisa e não aceito não como resposta.

Diante disto, o que eu poderia dizer? "Não obrigada, mas eu tenho comida em casa."

– Tudo bem. – foi o que eu disse.

– Pode ser hoje, depois da aula o que acha? Eu saio às 18 horas do colégio. – ele sorria abertamente agora.

– Também saio este horário, nos encontramos na praça.

Acho que seria bom eu ter um amigo para variar.

***

O colégio ficava bem perto da praça, então não demorei nada para chegar. Ander já estava lá me esperando.

Aquela foi uma noite muito agradável. Ander me levou a uma hamburgueria. A comida era formidável e a música de muito bom gosto.

Nós conversamos sobre todo o tipo de assunto. E quando dei por mim, Ander segurava minha mão. Era uma sensação estranha, havia uma eletricidade que ia da mão dele para a minha e que tomava todo meu corpo deliciosamente.

Fiquei tão assustada com o que senti que puxei minha mão com um pouco de violência demais.

– Eu preciso ir, está tarde. – comecei a me levantar. – E amanhã temos aula.

– Nos vemos amanhã então! – disse ele sorrindo.

***

Cheguei em casa super tarde, meu pai deveria estar furioso, pois esqueci completamente de avisá-lo.

Estava subindo a escada o mais silenciosamente possível quando de repente a luz foi acesa me cegando momentaneamente.

– Serina! Onde diabos você estava? – gritou Bob.

– Eu fui a uma hamburgueria com um amigo e esqueci-me de te avisar, Bob!

– Você é uma irresponsável, quase me matou de preocupação...

Parei de ouvir. Só sei que foi um sermão daqueles, com raios e trovões para enfatizar a ira de meu pai.

Eu só pensava em como aquilo era injusto. Ele sempre reclamou que eu não tinha amigos e quando eu saio para me divertir com alguém ele pira? Acho que a água clorada da piscina afetou o raciocínio lógico de Bob.

– Vá para seu quarto e pense bem no que fez mocinha! – aquela frase me despertou de meus devaneios. – Você está de castigo.

Ah, mais isso não ia ficar assim.

No dia seguinte eu não saí do meu quarto. E quando meu pai disse que eu estava atrasada para a aula de natação eu retruquei:

– Eu estou de castigo.

Ele ficou furibundo, mas não conseguiu me arrancar do quarto. O que era bom, eu não teria que ver Ander. Ainda estava perturbada com seu toque. Mas eu não poderia me esconder para sempre.

 

Um peixe fora d'água (Conto)Where stories live. Discover now