Língua de cobra

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Já é noite. A Lua cheia que ocupa uma grande parte do céu ilumina todo o espaço ao meu redor. Todas as árvores, melhor dizendo. Porque é apenas o que vejo.

Ouço o barulho de algumas folhas sendo pisadas e me viro na direção do barulho. É minha mãe. Ela estende as mãos para me mostrar o que há. Posso ver dois pumos. Pumo é uma fruta de tamanho e de aparência semelhante a de uma maçã, porém tem a coloração arroxeada e seu sabor é uma mistura de azedo com doce. Azedo no começo, e doce no fim.

Como minha mãe sempre diz: ou você ama, ou você odeia.
E eu particularmente amo.

Ela se senta ao meu lado e eu pego um pumo de sua mão. Posso sentir o líquido precioso que há dentro dele. Ele está extremamente suculento.

Dou um leve aperto e vaza um pouco do liquido. Levo até a boca e passo a língua no líquido que vazou. Está tao azedo que eu faço uma careta, mas logo o gosto azedo da lugar ao maravilhoso sabor doce.

Nesse ciclo vicioso, termino de comer a fruta.

Minha mãe ainda está com o seu em sua mão. Estranho. Ela ama pumo. Talvez oque aconteceu a abalou.

Quem não se abalou?

Foi tudo muito rápido. Eu gritei depois de me recuperar do choque inicial ao ver a mulher do sonho em minha frente. Corri e peguei uma faca, minha mãe a tomou de minha mão e jogou no chão. Me joguei em direção a mulher do sonho, mas ela me empurrou e eu bati em minha mãe, que estava atrás de mim, fazendo ela cair. Os olhos da mulher do sonho ficaram vermelhos como fogo. Uma bruxa. Olhos vermelhos são as características mais marcantes de uma bruxa. E então tudo ao meu redor se transformou em chamas.

Mas as chamas não vieram da bruxa. Porque ela estava se queimando, agonizando no fogo.

Irônico.

E então eu corri. Eu e minha mãe, correndo feito loucos sem aparente direção enquanto a nossa casa queimava em chamas.

— Você quer falar sobre o que aconteceu? — Pergunto. Imagino que ela não queira, minha mãe não se da muito bem com traumas.

— Quer?— Pergunto novamente ao perceber que ela não me escutou. Ela está olhando para o vazio. Dentro dela está vazio.

— Ah. — Ela diz voltando para o momento e balançando a cabeça em uma tentativa de expulsar ao pensamentos ruins de si.

— Não. — Balanço a cabeça em concordância.

Meus olhos pesam. Preciso dormir. Por um momento sair desse mar de sentimentos ruins que  se transformou minha vida desde que eu acordei hoje.

Minha mãe parece perceber. Se aproxima mais de mim e me abraça. E assim eu desabo.

Eu planejava ser presenteado com uma noite sem sonhos ruins. Eu esperava que a escuridão tomasse conta de mim enquanto eu dormisse. Não poderia estar mais enganado.

Abro os olhos e lá está ela, a mulher do sonho. Sendo consumida pelo fogo. E de repente o tempo volta.

Me jogo em cima dela. Ela me empurra, e eu bato em minha mãe, que cai. Então seus olhos ficam vermelhos e o tempo começa a passar em câmera lenta.

Agora, com tudo tão lento, posso ver o que causou o fogo. Vejo o colar em forma de coração da minha mãe no ar, indo em direção a mulher do sonho. E então tudo a minha frente se consome em fogo.

Sempre achei estranho a super-proteção que a minha mãe tinha com aquele colar. Por causa dele a minha casa foi transformada numa mera fogueira.

Abram Seus Guarda-chuvas - HIATUSWhere stories live. Discover now