Capítulo 1 - O Começo de Tudo

6 0 0
                                    

     Cheguei à sala de aula, arrastando-me como um caracol em um jardim, lentamente. Joguei meu caderno na mesa e meu corpo na cadeira. Estava morrendo de sono e desânimo. Um contraste total com o restante da sala.

     Flávia sentou-se na cadeira ao lado, sorridente e animada. Eu poderia dizer que era minha melhor amiga. Conhecemo-nos no dia da matrícula para o curso, mas logo preencheu esse lugar na minha vida. Eu sempre tivera amigos, mas nenhum íntimo o suficiente para ser "o melhor", nenhum que eu pudesse realmente contar com o apoio quando eu precisasse.

     — Ah... nem acredito! Último ano! — disse ela com os olhos brilhando. 

     — Graças a Deus — respondi mecanicamente.

     — Minha nossa, Dani! Você desanima qualquer um...

     — Desculpe — falei, dando um sorriso sem graça.

      — Eu ainda não entendo porque você continua com esse curso. Três anos, Dani! Três anos de martírio pra você! Três anos nesse sofrimento. E, sinceramente, não sei como consegue notas tão boas. Você divaga a aula toda, todos os dias. Gostaria muito que você me ensinasse essa sua técnica.

     Apenas sorri. Eu realmente não sabia como conseguia tirar nota nos trabalhos e nas provas. Era verdade, eu sempre estava fisicamente presente nas aulas, porém minha mente nunca estava por lá. Minha mente navegava por outros mares; o tempo todo eu imaginava outras coisas; fantasiava outras histórias, outras pessoas, outros lugares. 

     Quando estava no terceiro ano do Ensino Médio, eu cogitava a possibilidade de, ao terminarem as aulas, viajar pelo mundo, conhecer outras culturas, trabalhar aqui e ali. Descobrir meu caminho no mundo. Depois recolher todas as experiências e estudar aquilo que eu sabia que era certo para mim. Entretanto, nada disso aconteceu.

    Minha vida seguiu como a de muitos outros por aí. Meu pai passou todo o segundo semestre falando na minha orelha que eu deveria estudar mais para passar no vestibular, que eu deveria escolher uma boa faculdade de Economia, que a empresa que ele lutou tanto para construir dependeria das minhas habilidades como administradora para continuar prosperando. 

     Nunca disse a ele quais eram minhas vontades, meus sonhos. Acabei, mais uma vez, acatando as ordens dele.

     Quando passei no vestibular entre os cinco primeiros colocados, meu pai, ou Sr. Noriega, ficou em êxtase. Ele nunca me perguntou se era aquilo que eu queria mesmo. Na verdade, o que ele fez foi me dar o apartamento e um Porsche Cayenne prata.

     Minha prima, dois anos mais velha que eu e que também trabalhava na Fine Wine, arregalou os olhos ao ver o carro na porta da minha casa. Olhou para mim tapando a boca cheia de surpresa e disse baixinho:

     — Nossa, quando passei no vestibular meu pai só me deu uma graninha pra comprar meus livros. Queria tanto um carro... — lamentou.

     — E um apartamento também? — perguntei sem demonstrar emoção.

     — Como é que é? Um apartamento também? Fala sério! — Virou-se e saiu andando para dentro de casa.

     Minha prima, Helena, estudava na mesma faculdade, mas estava no segundo ano do curso de Comércio Exterior ou Comex, para os íntimos. Sempre esbarrava com ela pelos corredores. Eu podia ver a empolgação dela ao contar de seus projetos, seus olhos brilhavam. Eu nunca falava nada, apenas dava um sorriso motivando-a. Não sei se funcionava, afinal, eu não conseguia motivar nem a mim mesma.

     No dia da matrícula, enquanto esperava ser atendida, uma menina branquinha, miúda, cabelos compridos e castanhos e usando óculos sentou ao meu lado. Meneei a cabeça cumprimentando-a.

O Mais Profundo dos OceanosWhere stories live. Discover now