Doce suspiro (Fabiana Lange Brandes)

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Conto inspirado na propaganda do remédio A Saúde da Mulher, publicado nos anos 1940.


Por  Fabiana Lange Brandes


Serena tinha 28 anos quando deu entrada no Hospital Sagrado Coração de Maria com um câncer de pulmão e condenada a uma vida ligada aos tubos de oxigênio ou agarrada à esperança de um transplante de pulmões. E desde o primeiro dia dos três meses de sua difícil internação que vinha brincando com as palavras e com a ironia que a vida trazia com elas.

Tudo começava com seu próprio nome: Serena. As linhas através da tez dela já não eram tão serenas e ela parecia ter envelhecido pelo menos uns dez anos ou mais desde que havia sido diagnosticada. Erma os remédios, era a doença, todos diziam, claro – mas não, era a alma que envelhecia a cada minuto que um resultado de exame apresentava piora. Engraçada era a vida: num dia uma balada musical, no outro, uma bateria de exames.

Em seguida, vinha um dos termos que ela mais odiava e que era utilizado o tempo inteiro tanto pela equipe médica, tanto por seus pais: PACIENTE. Quem em sã consciência, com câncer, poderia ser ou estar paciente diante de um quadro terminal? Ninguém? Mas ela estava consciente, e não se sentia nem um pouco paciente. Todas as vezes que a enfermeira adentrava o quarto com aquele sorriso idiota e perguntava "Paciente Serena Carvalho?", ela fazia questão de dizer: "Neste caso, impaciente"... , porque era assim que ela sentia. Ela já havia passado dos três meses de internação, logicamente, se fosse uma empresa, já haveria passado do período de experiência e sido admitida, então, no auge de sua admissão teria direito a mudar algumas coisas, e a primeira regra que mudaria seria essa: passaria a chamar os pacientes de clientes, doentes, enfermos, qualquer coisa, menos pacientes!

Depois, a colocaram numa lista de espera. O nome dizia tudo: ESPERA. E ela lá tinha tempo de esperar? Ela tinha pressa! Precisava respirar, precisava viver, precisava correr. Contra o tempo, contra o relógio, contra seus próprios problemas. Alguns tentavam a consolar dizendo que pacientes jovens como ela tinham sorte, pois muita gente jovem vinha a falecer de acidentes automobilísticos, não sendo tão difícil conseguir bons pulmões. Mas era. Era muito difícil convencer os pais desses jovens a deixar os pulmões dos filhos respirarem em outros corpos. Mais uma palavra estúpida que ela teria de rever no deu dicionário médico.

Lembrou-se de outra palavra engraçada quando certa vez precisou da UTI: COMA. Se tinha uma coisa que os pacientes em COMA não faziam era comer. Eles podiam até se alimentar, mas não comiam, essa sigla deveria ser revista urgentemente. Aliás, eles não comiam, não respiravam, não faziam nada sem ajuda de máquinas que tornavam tudo um processo para deixá-los vivos com cara de mortos. O maior velório ao vivo que se poderia imaginar, só que era dentro do hospital.

Havia tanta coisa errada e contraditória durante a jornada de Serena – e de outros pacientes. As pessoas desejavam força, mas as pessoas não tinham mais força. Elas eram fracas, e era difícil até pra elas entenderem, mas ser fraco nem sempre era sinônimo de fraqueza, às vezes, eles só queriam um descanso, nem que fosse da vida. Viver era doloroso às vezes, para muitos, na maioria das vezes, para Serena, todos os dias nos últimos meses.

Todas as vezes que a fisioterapeuta pedia que Serena respirasse fundo, ela se sentia rasa. Toda vez que alguém dizia que ela estava no topo da lista para receber os pulmões, ela se sentia no final, porque depender da dor de alguém para viver não parecia exatamente uma benção.

Acabou que Serena fechou seus olhos, abriu um sorriso e repousou sua alma antes de eu acabar de escrever esse conto.

Acabou que Serena fechou seus olhos, abriu um sorriso e repousou sua alma antes de eu acabar de escrever esse conto

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