Um Péssimo Partido (Camila Antunes)

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− Quem diria, por quê? – indagou, Maurice enquanto alcançavam o luxuoso automóvel.

− Nunca imaginei que haveria pelo o suficiente nesta cara de moço que lhe encheria o buço.

Até passou pela cabeça do amigo dar-se ao trabalho de retrucá-lo, porém, por mais um minuto pensou e pronto: aliviou-se daqueles quinze segundos em que trocaram abraços calorosos de saudades, os segundos que chegaram a lhe causar preocupação se a amizade já não era a mesma, mas que, à sua felicidade, não foram suficientes para evitar que a troca de farpas costumeira retomasse seu lugar nos diálogos da dupla.

BranMoreau era o mais arrogante do trio e, não à toa, o menos amigo. Era difícil para ele ficar atrás de Auguste e ao mesmo tempo apegar-se ao jovem, mas, dada a sua inferior e ainda dividida herança, era o que acabava acontecendo no fim das contas. Aos trinta e sete, era também o mais velho dos três, por cinco anos inteiros, o que não fazia muita diferença agora em que eram adultos, mas que, na ocasião da sua infância, o tornava um grande chato, por julgar como imatura a maioria das brincadeiras geniais que os amigos inventavam.

Petit* prince! – cumprimentouBran, apoiado no umbral de entrada da antiga casa.

Auguste nunca entendeu ao certo aquela piada. Se tinha a ver com sua aparência, com seus bens ou o nome da sua família, mas o fato de ser chamado de petit,não sendo a altura uma de suas maiores qualidades, desde sempre o incomodara. Ainda assim, deu um abraço no amigo e, tão logo, entrou na residência, palco de suas antigas peripécias, já estavam os três sentados em uma sala de visitas, tomando uma bebida quente e rindo das histórias do passado.

− Auguste precisou encher alguns baldes de lágrimas até que aprendesse a ser o fanfarrão que é hoje! – foiBran quem espetou primeiro, pois sua maior alegria era trazer à tona assuntos que constrangessem os envolvidos.

− O que está dizendo, senhor? Acaso já me viu chorando?

Maurice, por mais leal que fosse ao amigo, não seria capaz de deixar aquela oportunidade de dar boas risadas escapar:

− Jamais – o amigo interferiu. – Exceto por aqueles quatro longos e infernais meses em que tivemos que te consolar após ser abandonado por Cécile Dubois.

A expressão carrancuda, que agora mesmo havia se instalado em sua face, começou a desfazer-se ao som desse nome. Auguste chegou até mesmo a soltar uma risada abafada. Já fazia tanto tempo, de modo que a essa altura já nem se lembrava desta dona. É claro que isso não foi sempre assim.

Ele se lembrava, perfeitamente, das noites de bebedeira das quais foi obrigado a participar com os irmãosMoreau, que não se conformavam em vê-lo encharcar os lençóis da cama. Certa vez, se não estava enganado, se debruçou na ponte a ameaçou jogar-se do rio Sena. Preferia morrer, se Cécile não voltasse para ele, já que não havia sentido na sua década e meia de vida sem ela. Ele jurara que pediria sua mão quando completasse dezoito e ela simplesmente o trocara por um conde qualquer que estava apenas de visita para o verão.

O pai da moça o recebera em casa, já que por mais bonito que fosse o filho do conde, jamais pedira sua mão, e Auguste tinha um nome, um título e uma propriedade a qual ninguém ainda sonhara que se tornaria um reles orfanato do governo um dia. Então ela teve que voltar para ele, embora não tenha ficado absolutamente satisfeita e resolveu ignorá-lo pelo mês inteiro em que a cortejara, até que um dia, quando seu aniversário de dezesseis anos chegou, ela decidiu amá-lo de novo e desfrutar de sua companhia.

Tudo teria ido bem e este seria mesmo um final feliz, não tivesse ele visto aquela prima. Bem, acontece que Cécile tinha uma bela prima chamada Margot. Margot era órfã, desinibida e tinha um generoso decote no vestido, que dava a Auguste uma boa vista e bons momentos de descoberta da sua virilidade quando a moça permitia que os apalpasse.

Retratos não faladosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora