Onde tudo começou

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Era verão, 2008. Eu e minha família costumávamos ir pra nossa casa de praia todo ano nessa época e daquela vez não foi diferente. Os vizinhos, um casal de senhores aposentados, eram velhos amigos da família e nós sempre comemorávamos as festas de final de ano juntos - eu, meus pais, minha irmã mais nova, o casal e seu neto que passava as férias com eles. Sempre do mesmo jeito.
Eu já tinha 15 anos e estava naquela fase de "eu-não-aguento-mais-meus-pais-e-quero-ser-livre". Planejei durante meses passar o final de ano com as minhas amigas e quando minha mãe não deixou, eu decidi que transformaria aquela viagem em um inferno.
Eu estava no meu quarto arrumando as minhas malas quando minha mãe entrou.
- Ana Luiza, você já colocou e tirou seu guarda-roupa inteiro dessa mala umas 10 vezes! Seu pai está quase pronto, nós vamos sair em meia hora!
- Eu já to quase terminando, mãe, que saco! Minha vontade de ir já não é muito grande, com você me apressando então...
- Eu já te disse que essa viagem é muito importante, e um dia você vai entender porque, mas enquanto isso apronta sua mala logo, ok? - ela me deu um beijo na testa e saiu do quarto.
Eu me perguntei durante dias o porque daquela viagem ser assim tão necessária, mas minha raiva era tão grande que até deixei pra lá.
Decidi terminar minha mala logo, tendo convicção de que não usaria metade do que levei e ainda assim sentiria falta de algo.
Desci até a cozinha, preparei um sanduíche pra mim e pra minha irmã. Viajar com crianças de 8 anos não é fácil, mas com crianças de 8 anos com fome é impossível. E, convenhamos, o papel de estragar aquela viagem era meu.
Quando entramos no carro meu pai perguntou se não havíamos esquecido nada, checou se as portas estavam fechadas, se o tanque estava cheio e partimos pra estrada. Eu coloquei meu fone no último volume, como sempre, e comecei a cantar o mais alto que podia pra ver se eu irritava eles o suficiente pra eles me abandonarem no meio da estrada. Quando eu percebi que não estava dando certo, decidi começar a dizer que precisava usar o banheiro e consegui o que eu queria: a primeira discussão.
- Ana, porque você não usou o banheiro antes de saírmos? - meu pai perguntou com pouca paciência.
- Porque eu não tava com vontade, obviamente! - meu tom de ironia chegava a ser desprezível.
- Pois agora você segura essa sua vontade até nós chegarmos! - minha mãe gritou.
- Lívia, não vamos estragar isso com discussões, ok? - meu pai olhou pra minha mãe com uma expressão triste e ela se calou na mesma hora.
Aquilo me afetou de um jeito que nem eu entendi, então resolvi me calar e não provocar mais brigas. Coloquei meu fone novamente, pergunta à Isabela se ela queria vir mais pra perto de mim e ela aceitou. Pegamos no sono uma apoiada no ombro da outra.
Senti o ar quente tocar meu rosto e a mão da minha mãe em meu ombro, ouvi de longe um "chegamos" enquanto eu despertava. Olhei pela janela do carro e lá estava nossa casa, idêntica a todos os anos. A mesma madeira escura, a mesma varanda com cadeiras de balanço e cataventos. Logo ao lado, a casa do sr. e da sra. Medina, com a mesma tinta azul marinho e as palmeiras no jardim. Eles nos receberam com longos abraços.
- Onde está o Diego? - minha mãe perguntou.
- Ele estava tomando banho quando vocês chegaram, logo ele vai descer! - a sra. Lúcia respondeu enquanto me observava - Puxa, Luiza, você está se tornando uma mulher  linda! E olha pra você Isa, cresceu tanto...
Eu a agradeci e comecei a descarregar as malas do carro. Meus pais continuaram conversando com Lucia e Roberto por alguns instantes.
Depois de deixar minhas bolsas e da Isabela no quarto, percebi que tinha esquecido meu tênis no carro e desci pra buscá-lo. Foi quando a surpresa aconteceu.
Dei de cara com Diego. Ele tinha a minha idade e sempre fomos próximos, mas até o último ano ele era apenas um menino. Ele havia mudado muito. Seus traços já eram mais maduros e seu estilo tinha mudado completamente. Ele me olhou de canto e deu um sorriso e por alguns instantes eu esqueci o que tinha ido fazer ali.
- Meu Deus, você tá muito diferente!
Ele sorriu e me deu um abraço tímido.
- E você continua linda, Analu!
Ele sempre me chamou assim, desde pequena. Quando eu era mais nova eu achava o apelido horrível ele falava pra me provocar, mas com o tempo eu comecei a gostar, então acabou pegando e ele continuou me chamando assim até a atualidade.
Eu me lembrei do que ia fazer e fui até o carro buscar meu tênis. Quando estava voltando, ele me perguntou se eu queria ir caminhar na praia mais tarde e eu concordei. Aquela viagem já não parecia ter sido tão em vão.

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⏰ Last updated: Oct 17, 2016 ⏰

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