Nas asas de Asset

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O trem que passava pelo pequeno vilarejo de Ostranoi tinha dado a deixa, todos se puseram a caminho. Aleksei e Sasha, moravam perto um do outro, por isso seguiram juntos, enquanto Magnus e Shura seguiram pelo outro lado.

Magnus olhou, encarando Shura, na esperança de instiga-lo uma corrida, porém foi inútil, Asset não parecia muito disposto, tampouco Shura.

O dia escurecia rápido e por todo o caminho se ouviam alguns grilos retinindo sua cantiga, Magnus batia um pouco os mosquitos do rosto, quando avistou sua casa. A casa de Shura ficava a alguns quilômetros mais abaixo do rio Donets. As casas dos cinco amigos margeavam o rio Donets, tendo em vista que as terras eram ainda mais férteis nas margens. Essa também era uma uma importante via de transporte para os moradores do vilarejo.

O ruivinho se despediu de Shura e rapidamente saiu da estradinha rumo ao portão que dava para o terraço da casa. Shura estranhou um pouco sua pressa, sempre conversavam um pouco na despedida, porém, desta vez, ele tinha seus motivos. Nos primeiros degraus que davam acesso à soleira da porta, Maria sua irmã estava sentada resignadamente com as duas mãos no queixo, ela não conteve o sorriso ao notar a aproximação de seu irmão, ainda que não pudesse enxergar, ela já conhecia bem o trote de Asset. Magnus já imaginava o que se passara, sempre que a irmã lhe esperava do lado de fora, era porque seu pai tinha chegado bêbado em casa soltando todo tipo de impropérios, batendo nos móveis, rogando pragas aos vizinhos e aos próprios filhos.

"Meu Deus, que ele nada tenha feito a Maria".

***

- Maria! Maria. Papai chegou de Luhanks não foi? Como ele está? Ele maltratou você? Quebrou algo dentro de casa?

Maria Pavlovitch tateou pelo corrimão da escadinha e, a algum custo, levantou-se com a bengala a frente. Sua cegueira se consolidou muito cedo, por isso já não era motivo de tanta angústia, foi logo aos dois anos, na noite após a morte de sua mãe, falecimento decorrente do parto de seu irmão. Na noite seguinte, subitamente, acordou asfixiada de terror e náuseas, parecendo tomada de uma grande dor, soltava grunhidos como se estivesse sendo alvo de uma tortura alucinante. Estava cega.

- Aqui, pegue minha mão... Isso, pronto, pronto. Podemos falar agora. – Magnus sempre ficava junto dela, pedindo-lhe que segurasse a mão.

Para a pobre jovem, não restou muita coisa a não ser o apego à fé e o amor à Deus e assim ela, humildemente, levou sua vida de camponesa, vivia para os outros e gostava daquela forma simples de ser. Todos os dias pedia para Magnus ler a Bíblia, praticamente não saia de casa, apenas quando o irmão insistia. Costumava passar todo o dia lavando as roupas da família, na semeadura, selecionava as piores sementes de trigo esmagava e dava para as galinhas sendo estas as grandes companheiras de sua vida.

É bem verdade que, por vezes, se arriscava em um trabalho mais complexo, como consertar as camisas da família, porém logo tinha de parar, por conta dos dedos feridos pela agulha. Quando saia, ia para a igreja, ajudava como podia o padre de Luhansk, pedia perdão a Deus de qualquer coisa que nem mesmo ela soubesse ao certo se tinha feito. Pedia a Deus que cuidasse de sua mãe, que perdoasse seu pai e que guiasse Magnus para que fosse um grande homem e, então ia para casa dormir o sono dos justos.

- Sim, ele não está bem hoje. – disse ela em um longo suspiro – mas o que se há de fazer meu irmão, não devemos contrariá-lo, penso eu, então vamos ficar um pouco aqui fora, logo ele irá dormir. Não achas melhor assim?

Magnus concordou, sabia que quando seu pai vinha bêbado de Luhanks ficava muito agressivo, contudo e, acima de tudo, era seu pai, dele e de Maria e eles deveriam respeitá-lo.

Madonna CapadóciaWhere stories live. Discover now