Um dia de mudanças

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Olho para aquele estranho que me parecia tão familiar, ele estava com os ombros ligeiramente arriados, o olhar inexpressivo e ao mesmo tempo tão cheio de vida.
Seu cabelo estava suavemente bagunçado, e com os seus punhos fechados ele me fitava, quase como se tivesse a mesma estranha sensação de que já havíamos nos conhecido.

Nasci em uma cidade chamada San Francisco que fica ao Norte da Califórnia. Os moradores dessa cidade são na maioria idosos e pessoas sem perspectiva nenhuma de sair desse lugar, que é na maior parte do tempo agitado.
Minha mãe está se divorciando do meu pai, ela acha que seria bom para mim me afastar um pouco daqui e passar um tempo com a minha avó, que quase nunca vejo e que mora em um vilarejo no meio de uma reserva florestal e que não aparece nem ao menos no mapa.
Acredito que nesse momento nada vai me animar e se não fosse pelos meus poucos amigos não sei o que faria. A única certeza que tenho é que uma viagem ao menos irá me distrair um pouco e ocupar minha mente.
– Filha, você vai se atrasar para seu último dia de aula! – grita minha mãe da cozinha.
– A senhora sabe que eu odeio despedidas, isso é mesmo necessário? – pergunto a ela, desejando que ela me deixe remoer o último dia na cidade trancada no meu quarto.
– Maya, é por pouco tempo meu amor, e nós já conversamos sobre isso. Agora, trate de vir tomar o seu café da manhã para poder ir para o colégio.
Pego minha mochila pesada e saio do meu quarto desejando voltar no mesmo instante e fingir que estou doente, mas percebo que minha mãe tem razão. Eu realmente preciso me despedir dos meus amigos.
O 2º ano do colégio é um saco, e mal posso esperar para terminar os estudos, só de pensar que ainda tem tempo, e que preciso me adaptar ao novo colégio, sinto calafrios.
– Amiga você quer mesmo fazer isso? Vai me abandonar? Deixar-me para os lobos nesse colégio insuportável?
– Pare de ser exagerada, Jasmine! Além do mais, você tem o Raphael e a Julia para lhe fazerem companhia. E eu? Com quem vou poder conversar em WonderVille ? – pergunto penosa.
A Jasmine estuda comigo desde o ensino fundamental, e considero-a como a minha melhor amiga. Nós vivemos juntas as melhores e piores situações que alguém poderia imaginar.
– Eu sei disso Maya, mas vou sentir tantas saudades. Espero que aproveite o tempo que irá passar com sua avó, e que volte logo. Ah! Não se esqueça de mandar mensagens sempre que possível! Quero saber tudo que acontece na sua nova vida. – choraminga.
Dou um longo e silencioso abraço em uma das minhas pessoas preferidas. Vou sentir falta do seu entusiasmo. Coisa que ultimamente me falta.
O sinal toca e eu tenho que correr para a aula de biologia, hora de mais despedidas e lágrimas. Dessa vez, quando entro na sala, encontro Raphael e Julia com olhares tristes e um cartaz gigante com as palavras "Vamos sentir saudades, Maya!". Eu não poderia esperar menos, eles são os melhores amigos do mundo.
Afinal de contas, é muito triste se despedir de quem a gente ama, mas eu sei que é provisório, e que logo devo voltar. Pelo menos é isso que eu espero.
Pego minha bike no estacionamento do colégio e pedalo para casa. Preciso terminar de aprontar a malas para a inevitável viagem ao bosque encantado da chapeuzinho vermelho.
– Não se esqueça de tomar os seus comprimidos Maya, você não pode ficar um único dia sem tomá-los! Prometa pra mim. – enfatiza minha mãe.
– Mãe, pode ficar despreocupada, estou ciente disso. – tento tranqüilizá-la.
Desde que me conheço por gente tomo esses malditos comprimidos, minha mãe diz que ainda pequena fui diagnosticada com um problema no sistema imunológico o que me deixou dependente do remédio.
Dou um beijo em minha mãe, já com lágrimas brotando e ela retribui com um abraço de urso.
– Adeus mãe. Ligo assim que chegar à casa vovó.
– Tudo bem meu amor, boa viagem filha. – diz emotiva.
Ouço uma segunda buzina e encontro meu pai do lado de fora de casa, esperando para me levar para a rodoviária da cidade. Ele está com um olhar esquisito, como se pedisse desculpas por alguma coisa.
– Oi filhota, como foi seu dia? – pergunta, com o olhar desconfiado.
– Normal – respondo sem vontade alguma de começar essa conversa. Já até sei onde iria terminar. Eu chorando desesperada e ele sem saber o que fazer.
– Tá bom então. Vamos passar antes no restaurante para você colocar algum alimento no organismo e seguimos para a rodoviária. – responde cauteloso.
Passamos no restaurante que fica na divisa da minha cidade e peço um hambúrguer caprichado, pois a viagem é longa.
Papai pede panquecas e passamos os últimos minutos praticamente calados.
Não quero que ele pense que estou brava com ele, mas no fundo eu tenho certo ressentimento, afinal de contas, cresci com a ideia de que eles nunca iriam se separar. Que nós três seríamos uma família feliz para sempre. Mas, mamãe me disse que ele encontrou outra pessoa. Acho que agora entendo, não existem finais felizes como nos contos de fadas. O mundo é mais cruel do que imaginava.
Terminamos a refeição e meu ônibus já espera seus poucos passageiros. Pego minha mochila e papai minha mala, na maior parte cheia dos meus livros preferidos. Hora de partir. .
– Pai, pensa melhor, nós amamos você. Sei que mamãe ainda te ama e eu não quero ver nenhum dos dois tristes. –digo tentando convence-lo a mudar de ideia.
– Filhota, quando você crescer vai entender o que está acontecendo. – ele diz como seu eu ainda fosse um bebê.
Faço uma carranca e decido seguir com os planos.
– Preciso ir, ou vou perder a viagem. Te amo pai. – digo.
– Eu também filha, te amo muito. Nunca duvide disso. – beija minha testa.
A viagem é cansativa, e eu pego um dos meus livros que guardei na mochila, caso precisasse me distrair nesse longo tempo. Começo a ler um dos meus contos preferidos e enfim adormeço.

Eu estava fugindo, para algum lugar que não me recordo, passando por entre a folhagem e de repente ele aparece no meu raio de visão. Cavalgando de forma tão bela e hipnotizante, ele se aproxima.
Segura minha mão como se sua vida dependesse disso e me puxa para o seu cavalo.
–Fique comigo. Vou te levar para um lugar seguro. Longe dos Espectrais.

Espectrais? Foi isso mesmo que o tal garoto falou?
Acordei repentinamente com um susto. O ônibus freou com força me jogando pra frente. Cheguei ao meu destino. Desembarco no centro da cidade mais próxima de WonderVille, já que o acesso a esse vilarejo é restrito apenas aos moradores e parentes próximos.
Do lado de fora do ônibus encontro um rapaz aparentando mais ou menos a minha idade, com um papel cartolina escrito meu nome.
– Oi. Sou a Maya. E você é? – pergunto receosa.
–Meu nome é Alec, você não vai se lembrar de mim. Sou vizinho de sua avó. Ela me mandou para buscar você. – diz com olhar curioso.
– Tá legal. Então vamos lá! – digo tentando parecer mais animada do que realmente estou.
Nós chamamos um dos poucos táxis que acredito que existam por aqui e que logo aparece para nos buscar. Jogo minha bagagem no porta-malas e seguimos mais 1 hora de viagem até WonderVille.
No caminho, Alec me diz que quando éramos crianças costumávamos brincar juntos, já que minha mãe me levou algumas vezes na casa de minha vó há muitos anos atrás. Infelizmente não consigo me lembrar dele. Quem sabe algum dia?
Entramos no portal do vilarejo. Essa cidadezinha merece uma repaginada! Está caindo aos pedaços! Só espero que tenha uma livraria boa por aqui.
Chegamos à casa de minha avó, que parece melhor do que eu imaginei que seria afinal. Sua casa é cor de areia, com duas grandes janelas vermelhas na frente e uma porta de madeira. Tem um carvalho enorme no quintal e embaixo dele um balanço de pneu que me remete algumas lembranças boas.
Por um caminho de pedras, seguimos para a campainha.
Minha avó atende com um sorriso enorme em seu rosto enrugado. Aquele tipo de sorriso que não tem como não retribuir. Logo estou em seus braços pequenos.
Ela tem cheiro de cravo e canela, e deduzo que deve estar fazendo sua famosa torta de banana.
– Vovó, quanto tempo! – digo emocionada.

A Floresta Invisível Where stories live. Discover now