Capítulo 1

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Como rato de biblioteca precoce, aos oito anos eu já precisava usar óculos devido à vista cansada. Com o tempo, minha febre por romances fantásticos, e por relatos sobre os grandes homens da história, só fez aumentar. Ao mesmo tempo, aumentava o grau da minha lente. Logo, não havia apelido mais apropriado para mim – e mais explorado por meus depreciáveis companheiros de escola e faculdade – do que Fundo-de-Garrafa.

Por volta dos quinze anos, época em que os meninos entram na puberdade, eu já me dedicava unicamente, de corpo e alma, ao mundo das letras e da literatura.

Mas eu não buscava apenas uma leitura sem propósito, nem apenas aquela necessária a ser aprovado nalguma prova importante para escola ou emprego. Alguns livros, se você souber escolher, são capazes de te transformar completamente, mudando o modo como você enxerga o mundo e, principalmente, o modo como enxerga a si mesmo. Pode parecer besteira, mas aprendi com um filósofo, morto há mais de 2400 anos, que isso é a chave para toda a sabedoria. Eu lia para me tornar mais completo e melhor do que os outros. Simples assim. Arrogância minha, eu admito, mas, como pretendo contar toda a verdade sobre este meu primeiro encontro, decidi estender a verdade a todos os outros aspectos.

Bibliófilo de carteirinha, óculos da grossura de um dedo, roupas antiquadas num corpo com a constituição física de um anêmico – aliás, outro de meus muitos apelidos. Minha pele branca, pela falta de sol, valera-me outros tantos apelidos. Se juntarmos a isso a postura encurvada e o cabelo repartido ao meio, não fica difícil imaginar porque era, para mim, tão difícil conseguir uma namorada.

Os anos foram passando e os hormônios despertando e começando a me cobrar uma atitude de homem. "Cedo ou tarde", eu dizia, "vou arranjar alguém especial". Meu otimismo era notavelmente fingido; mas, apesar disso, acabou revelando-se de acordo com o que o futuro me reservava.

De fato, por volta dos vinte e três anos, surgiu uma benfeitora – uma bela benfeitora, aliás – disposta a iniciar-me nas práticas da vida adulta.

Se me perguntarem como foi que a conheci, onde a vi pela primeira vez, ou quem nos apresentou, serei obrigado a reconhecer que não me lembro; e não é por falta de forçar a memória. Eu realmente não sei, até hoje, como ou a partir de qual momento aquela garota tão linda, tão comum e tão vazia entrou na minha vida.

O que posso dizer com certeza é que, num belo final de tarde de sexta-feira, lá estava eu ao volante. Ao meu lado, uma exuberância branca de um metro e oitenta, belos cabelos morenos, volumosos e soltos como eu gostava, inacreditáveis olhos azuis brilhantes e vazios, e um sorriso provocante em lábios rosados e carnudos.

Usava maquiagem leve nas bochechas e sobre os olhos, embora, na verdade, isso fosse totalmente desnecessário para sua beleza natural. Eu, inclusive, preferiria uma mulher mais original, sem maquiagens nem adornos em excesso; mas, é lógico, não dispensaria uma beleza como aquela, que, por algum milagre, estava ali, ao meu lado, naquele inacreditável momento no tempo, simplesmente por esse detalhe insignificante.

Suas roupas elegantes – usava uma camisa branca de seda bordada e uma calça preta incrivelmente colada à pele; e ambas, percebi, eram de grifes caras que só eram vendidas fora país – e seus modos em geral deixavam claro que não era uma garota qualquer. Era uma patricinha rica e mimada e, por algum motivo, estava ansiosa para ir ao motel comigo.

Lembro que eu mal podia acreditar. "Uau!", eu pensava. "Que sorte a minha."

Ah, sim, e o nome dela era Micaela. Ao menos isso eu não fui capaz de esquecer.

Micaela.

Nome belo, elegante; e muito na moda, assim como a dona.

Posteriormente, descobri que Micaela significa "predisposição ao sacrifício e preocupação pelos problemas alheios", e como esse nome nada tinha a ver com a garota vazia ao meu lado.

Meu carro não era dos melhores, mas ela não pareceu se importar – ou pelo menos não demonstrou. Mesmo assim, resolvi não ser muquirana e pagar-lhe um motel de bom nível. Havia, na cidade em que estudava, uma avenida conhecida como A Avenida dos Motéis. Ia dos mais baratos aos mais luxuosos, com suas suítes de dois andares, grandes piscinas e teto solar.

Escolhi um dos melhores, embora não o mais caro – algo que coube em meu orçamente para o mês – e ela não pareceu decepcionada com a escolha.

Logo na entrada havia uma tabela bem visível com os preços dos quartos, as atrações de cada um, e o tempo de hospedagem, que poderia chegar a vinte e quatro horas. A voz da atendente, por trás de uma tela de vidro escuro, solicitou nossos documentos, que ficariam guardados até o pagamento da conta. Entreguei minha habilitação e Micaela, ao meu lado, passou-me algo, um pequeno cartão plastificado sem cor do tamanho de um documento, mas que parecia querer quase desaparecer conforme o tocava. Era difícil segurá-lo e, confesso, mal pude vê-lo claramente enquanto o entregava à atendente.

Esta, por sua vez, não pareceu notar nada de incomum em nossos documentos. Escolhemos a suíte, ela nos entregou uma chave contendo um número, e a cancela foi aberta. Estacionei de ré na vaga que correspondia ao número da chave. Na parede ao lado de minha porta havia um botão. Eu o apertei e desceu uma lona vermelha, preenchida com corações em chamas, que bloqueou a visão da garagem para quem estivesse fora. As luzes da escada estavam acesas e, segurando as mãos um do outro, tratamos de subir os dois lances de degraus que nos levaram ao nosso quarto.

A suíte era pequena, mas bem elegante; repleta de espelhos no teto e nas paredes e de pequenos mimos de brinde. Havia garrafas de bebida alcoólica de marcas caras sobre uma mesinha de centro de vidro logo na entrada, toalhas brancas e limpas, eu esperava, sobre a cama, lacradas em sacos plásticos. Estava ainda contemplando o pequeno aposento quando percebi que minha bela acompanhante já havia aberto uma das garrafas sobre a mesinha, uma quadrada e escura – não lembro bem, mas acho que era um uísque. Virando a garrafa, ela tomava direto do gargalo. Lembro que na hora tudo que eu pensava era no quanto teria de pagar por ela ter aberto a garrafa, e como esperava que não abrisse mais nada.

Terminado o longo gole ela esticou para mim a garrafa escura, onde mal se podia ver a cor do conteúdo líquido balançando.

"Obrigado", eu disse, protegendo-me instintivamente daquele veneno com as mãos. "Eu não bebo."

A garota ficou paralisada, como que a tentar processar a informação.

"Por que não?", perguntou-me, obviamente chocada.

Calmamente, expliquei-lhe que eu, simplesmente, nunca tivera, em toda minha vida, algum bom motivo para começar a beber, que ainda naquele momento não sentia nenhuma inclinação naquele sentido e que, provavelmente, nunca chegaria a provar aqueles venenos alcoólicos que, conforme lhe expliquei, considerava desnecessários e prejudiciais à minha saúde.

"Para me divertir, não preciso estar alcoolizado."

Lembro que ela me olhou com olhos vazios, como se o que eu tinha dito não fizesse sentido ou não tivesse importância. Em seguida, quase como se eu não estivesse lá, tomou outro longo gole da garrafa quadrada e escura – que, observei, já estava quase na metade.

**A partir de agora, a história começa a ficar assustadora. E se você está gostando, não deixe de registrar o seu voto.

A GAROTA VAZIAWhere stories live. Discover now