Capítulo I - Minha morte

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Quando me encontraram, eu estava amarrada com uma gravata em meu pescoço, bebidas por todos os cantos, vestidos e drogas. Os policiais que olhavam a cena, já deduziram pela cena a frente, que a farra fora muito boa, nem foram a fundo na investigação, aliás não teve investigação... a cena era foto do que acontecia ali... Lá fora, uma grande multidão de curiosos se aproximou do prédio e murmurinhos. Todos davam opiniões sobre o que acontecera. Carros de polícia, amigos gritavam por mim, meu namorado gritava querer justiça, e eu no meu quarto enforcado com uma gravata, estava ali há algumas horas, estava gelada, sem vida, liberta daquela vida, estava exausta, queria sair dali, mas algo me aprisionava ao meu corpo e sentia a dor da asfixia, e outra e outra vez. 

Eu sabia que morrera, mas me sentia vivia, eu não intendia como podia, senti meu pescoço arder, e não conseguia retirar o laço da gravata. Meu espírito estava vivo, sentia dores na garganta devido ao sufocamento. Meus sentimentos eram misturados as dores, ouvi me chamarem, queria atender, mas estava ali, presa. Meu amigo olhava para mim paralisado, minhas duas amigas choravam num canto do quarto, abraçadas. — Meu deus o que aconteceu, como tudo isso está acontecendo, pensei que a morte fosse diferente. O ar me faltava, sentia que desfaleceria a qualquer momento, e a dor voltada do laço da gravata. 

Logo mais vi policiais entrarem tirar fotos de mim, da minha casa, entrevistar meus amigos e mais tarde meu corpo sendo colocado numa bandeja gelada, mais gelada que meu corpo, queria gritar e a voz não saia. Meu espírito aprisionado no corpo, eu estava ligada ao meu corpo e não sabia como sair dali, eu não conseguia e toda hora a dor voltava, me sentia tonta. Lembrava do que eu ouvia da minha mãe, que todos que morrem vão para o céu ou o inferno. E quem tira a própria vida vai para o inferno, mas... cadê o inferno, o diabo? 

Sabia que para o céu eu não iria ser muito rebelde, mas eu queria ver o diabo, afinal eu tirara minha vida. Que quem está no inferno tem fogo, um imenso fogo... Mas nada disso eu vi, mas senti esse fogo, no meu ser interior, minhas dores se intensificaram, eu sentia tudo muito enorme. Pensei na minha amiga espirita, que uns dias antes, tinha me falado sobre a morte, contei que tentei me matar duas vezes, mostrei as marcas no meu pulso, e ela me explicou: —Não faça mais isso, porque quem se mata, fica na terra, vivenciando os momentos da morte. Queimando na dor por tirar a vida antes da hora. Deus não gosta que seus filhos tirem suas vidas. Viver é uma dádiva, uma oportunidade de viver, temos que fazer dos problemas obstáculos para vencer. Que era para eu ser forte!

 Fiquei interessada no assunto, ela tinha um "blog", onde ela contava o desencarne do marido. Já fazia alguns meses que morreu, ela descrevia todo o sofrimento dele com câncer terminal. Sentia que ela era forte, mas só agora descobri que não era força, e sim fé. Ela me deu o endereço do blogger para eu ler, mas eu não tive tempo, e deixei para outro dia e nunca li. Arrependo-me, porque hoje sei que lá descobriria coisas boas para mim. Pensei nela e lembrava palavra por palavra do que ouvia quando ela falava. Minha mãe é uma mulher evangélica, mas que não usava o que lia na palavra de Deus, era fria, infeliz e queria passar isso para mim. 

Comparar ela com minha amiga espírita, e via diferença, enquanto ela, minha mãe, pregava a palavra de Deus toda hora, e não colocava no coração, minha amiga falava de amor, de conscientização de quanto Deus é nosso pai amoroso, agora entendia a diferença. Perdi meu pai quando tinha cinco anos, ele se suicidou, deixando eu sozinha com essa velha amarga, eu não gostava dela, eu a suportava. Ela se metia nos meus negócios, dizendo querer tudo do jeito dela, pegava uma boa parte da grana que entrava do meu trabalho. Ela usurpou o que era meu por direito, por conta de minha herança que meu pai havia deixado e que ela mantinha em seu poder. Ela cobrava meu aluguel, e o prédio era nosso, mas mesmo assim ela queria o meu dinheiro. Pensava em pegar o que era meu por direito, mas fui deixando para outro dia, e agora com minha morte ela teria tudo... Meu corpo foi levado ao IML, mas meu espírito continuava ali, na minha casa, logo em seguida, os ratos começaram a entrar, sim, os ratos, a minha família, primos e minha famigerada mãe. Eles mexiam em tudo, reviraram tudo e o que era meu. E foram pegando meu "tablet", notebook, celular e roupas, sapatos e o que mais aquele bando de ladrões pudessem levar, carregar, roubar.

 A comida não foi levada, porque não gostavam da forma que eu me alimentava, eu sempre fui vegana(não comia nada de origem animal). Vi minha casa se transformar numa baderna QUE VERGONHA! Meus animais, meu Deus, meus animais! O que farão com eles? Eram meus amores, recolhi eles das ruas, o Toddy era um bebê ainda e paraplégico, arrastava o bumbum, por ter problemas nos joelhos e a perninha não dobrava, eu tinha muito cuidado com ele, sempre o mantinha limpinho. No total eram seis cães. Ouvi quando minha mãe ligava para um dos meus amigos da ONG animal, para que eles dessem um jeito nos meus animais... Infeliz senhora! Iria se desfazer deles.

 No dia seguinte o carro do canil, do controle de zoonoses, encostava e levava meus amados animais para o canil municipal. Os de raça que eu tinha, os primos carregaram, mas os que não tinham raça definida foram levados e eu chorava, sentada no chão, fixada ao chão. Não sei quanto tempo estava ali, perdi o senso do tempo, escureceu, muito silêncio e escuridão. Mas algo me levou ao velório, foi horrível. Aquela coisa sobre família que fica chorando um, no ombro do outro, entediante. Minha mãe escolheu uma roupa de virgem para mim, que era tudo branco, parecia um anjo, claro que nunca fui. Os amigos não se conformavam de como tudo aquilo estava acontecendo, o que realmente aconteceu? 

Uns comentavam em suicido e as opiniões contrárias diziam que fora assassinada. No cemitério tentei falar com minha amiga que era espírita, ela orava por mim, pedia aos amigos espirituais que me ajudassem, me socorrer, eu senti um pouco de alívio. Aquela oração era um bálsamo para mim e eu comecei a flutuar nos corredores do cemitério, sentia menos sofrimento, pelo menos conseguira parar de sentir a dor do nó em meu pescoço, e a falta de ar. E eu voava... estava leve, me sentia bem... 

Por mais que você tente, por mais que você se esforce, as coisas parecem não dar certo para você, tudo começa a desmoronar, nada mais faz sentido. É quando você não sabe mais o que fazer, não sabe ao menos o que está sentindo. Parece que está gritando e ninguém pode te ouvir, é quando bate aquele delírio suicida. Depois do velório meu sofrimento foi maior, a solidão dos que falam e ninguém ouve, sentia fome e não conseguia comer, tudo escapava da minha mão, via vultos horríveis pelos cantos da minha casa, sentia falta do Todinho meu cachorrinho que dormia comigo, sabia que não iam cuidar dele, e acabei por adormecer no mesmo lugar que meu corpo morreu. Voltando no tempo... via minha vida... anterior ao dia da morte. 

Continua...

Diário de Uma SuicidaWhere stories live. Discover now