Sete

871 64 31
                                    

- Tem alguma coisa muito errada com essa floresta.

A voz de Carter fora a única coisa capaz de quebrar o silêncio fúnebre que pairava na sala desde que ambos se viram obrigados a voltar para dentro do chalé, mantendo uma distância necessária a medida que cada um se encaminhava para um dos cantos da sala. Pennelope voltara para seu lugar de origem, esticando todos os músculos doloridos de seu corpo sobre o sofá, tentando evitar reconhecer a presença do outro ali. A tarefa era complicada demais quando o objeto de sua tentativa frustrada respirava profundamente, movendo todo seu peitoral para cima e para baixo, os estalidos metálicos de sua prótese tornando impossível olhar para o outro lado, embora tudo que a mulher conseguisse enxergar no escuro do ambiente fosse o contorno de seu corpo contra a fraca luz que a lua refletia.

O homem estava parado em frente a gigantesca janela há alguns minutos, observando os pinheiros balançando suavemente com o vento noturno, toda a imensidão da floresta ocupando seu campo de visão. Fora uma pausa curta até que Carter voltara a falar, diretamente com a mulher dessa vez.

- Desde o dia que chegamos aqui... Você não tem a sensação de que algo está fora do lugar? Que todo esse complexo esconde alguma coisa?

- Toda vez que eu olho pra essa floresta eu tenho a impressão de que vou morrer aqui - as palavras escaparam, antes que ela pudesse as refrear ou as conter. Como se a pergunta fosse um gatilho para que ela descarrilhasse todas suas preocupações em cima daquele ouvinte que poderia muito bem colocar sua fala fora do contexto mais tarde - De que eu não posso confiar na minha própria mente.

- Tem alguma coisa muito errada com esse lugar - repetiu, e dessa vez não passou de um sussurro, mais contemplativo do que intencional, antes de levantar a voz - Você tem uma arma?

O coração de Pennelope insistira em disparar naquele exato instante, como se Carter tivesse acabado de rasgar uma cortina de ilusão, colocando-a cara a cara com a realidade macabra que ela gostaria de esquecer ser real. Deu um jeito de empurrar seu corpo para fora do sofá antes de pensar em que resposta dar, indo atrás da garrafa quase vazia de vinho que ainda repousava sobre o balcão de granito. Uma mentira a mais não seria difícil de contar, não quando já havia despejado tantas nos ouvidos de Carter. Mas naquele tipo de situação, talvez fosse mais inteligente contar apenas a verdade.

- Não - finalmente elaborou, depois de sentir o final amargo da bebida em sua garganta - Você tem?

Ele assentiu, apenas a cabeça se movendo, o corpo ainda congelado, iluminado como o de uma assombração, tão etérea que quase não parecia real, quase não parecia humana.

- Carrego a minha há anos. Nunca se sabe quando você vai precisar dar um fim em algo - a frase toda teria soado completamente macabra, caso Pennelope não o conhecesse completamente. Carter não falava em eliminar um mal exterior. Falava em eliminar a si mesmo. Não sabia exatamente qual das possibilidades a assustava mais - Bernhard pode te conseguir uma, se você achar que vai estar mais segura.

- Como você sabe?

- É bom saber com quem você está convivendo - ele finalmente se moveu, dando de ombros enquanto se virava para encará-la - O cara foi militar. Ele tem um pequeno arsenal escondido na biblioteca. Duvido muito que se importaria em lhe emprestar alguma coisa.

- Você faria isso? - sabia que não deveria estar alimentando aquela conversa. Não deveria estar alimentando conversa alguma. Mas era muito maior do que ela, aquela curiosidade assombrosa que devorava suas entranhas quando o assunto lhe interessava. Misturada ao álcool e o calor que sentia no corpo todo ao notá-lo umedecendo os lábios, a receita para o desastre estava completa - Puxar o gatilho?

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 19, 2016 ⏰

Adiciona esta história à tua Biblioteca para receberes notificações de novos capítulos!

Wild ThingsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora