Prólogo

71 1 2
                                    

A cada passo que Mae dava sobre a ponte de madeira com seus pés frios e descalços, ouvia-se o ranger dela e os pássaros voando pela floresta. Era um dia frio e ainda sentia-se o cheiro de terra úmida após a recente chuva e o vento jogando seus longos cachos em seu rosto.

Havia anos que ela não vinha a Sintra visitar seus tios, mas agora que ela e sua mãe se mudariam para cá, a floresta se tornaria sua segunda casa novamente.

Mae ainda parecia conhecer cada canto de lá, onde passara boa parte de sua infância brincando com seus primos ao redor do palácio da Regaleira.  A floresta era enorme, com um poço, um labirinto e outras estruturas medievais perdidas no meio dela. Ela era muito antiga e muito visitada pelos turistas que passavam por Sintra, que ficam encantados com a beleza das árvores e das paisagens parecidas com as de um universo de livro de fantasia. Várias lendas eram contadas sobre aquela floresta. Algumas para encantar as crianças, outras para as manterem longe de lá. Mas ela, Eva e Theo não temiam a floresta, lá era praticamente sua segunda casa.

O vento ficava cada vez mais forte e balançava a ponte onde Mae e seus dois primos estavam parados.
– Devíamos voltar, já está ficando tarde e hoje a noite será longa. – disse Theo.

– Sim, precisamos descansar para dançar muito hoje, não é, Mae? – disse Evangeline.

A festa. Mae estava tão perdida em seus pensamentos entre as folhas verdes da floresta que havia esquecido. Eva e Theo estavam planejando uma festa de boas vindas para Mae conhecer o pessoal novo de Sintra e reencontrar seus velhos amigos.
– Bem, a única pessoa que irá descansar aqui sou eu, enquanto vocês arrumam minha festa, é claro. – disse Mae brincando com Evangeline.

– Ótima maneira de agradecer seus primos, pequena Mae. – disse Eva encarando-a com seus enormes olhos azuis contornados com maquiagem escura, ninguém resistia àquele olhar.

– Quantas pessoas virão? – perguntou Mae.

– Talvez umas cem. Aproveitei que sua mãe e nossos pais estão em Lisboa resolvendo alguns negócios para darmos uma festa da porra! – respondeu Theo.

– Da porra? – disse Evangeline caindo na risada, Theo não era bem o que se chamaria de um bom organizador de festas, todas elas alguém acabava parando na delegacia.

– Ah, vamos logo antes que essa ponte caía com nós ainda nela. – disse Theo correndo em direção ao fim da ponte.

Os três já estavam em frente ao palácio da Quinta, indo em direção a saída. O silêncio predominava, mas não era desconfortante para nenhum deles pois ainda se ouvia o som dos pássaros cantando. Eva e Theo viviam em um casarão com seus pais à apenas uns minutos da floresta, e como Mae, eles haviam nascido na França e se mudado para Portugal na infância.

Eva abria caminho pelo salão principal da casa, tinha janelas grandes em todo canto, o que deixava o lugar muito iluminado. A casa parecia como o interior de um museu, três andares com diversos quartos com móveis espaçosos e lustres no teto. Nada havia mudado. Mae lembrava de correr pelos corredores da casa com seus primos enquanto sua tia, Miranda, gritava para que eles tivessem cuidado.
– Vem, Mae! Vou te mostrar seu quarto, sua mãe já colocou suas coisas lá em cima. É bem do lado do meu. – disse Eva.

– É bom para você ouvir os gritos dela quando os nossos pais não estão em casa e ela traz aqueles caras da faculdade de Cinema para cá. – dizia Theo para provocar Evangeline.

– Shiu! Você queria o que? Que eu fosse para casa deles? Provavelmente deve ser no lugar mais perigoso de Sintra! – disse Eva furiosa com ele.

– Bem, já dá pra ver seu nível com essa fala... – disse Theo.

– Cala a boca, Theo! Não reclamo quando você está sempre com garotas diferentes que aparentam ser a mesma! – exclamou Eva.

– Cadê a Mae? – perguntou Theo enquanto olhava ao redor da sala em busca da menina alta de pele negra.

Mae estava na cobertura acima do terceiro andar da casa. Dava para ver boa parte de Sintra daquela altura, já que o teto dos andares da casa eram tão altos que pareciam com os de um palácio. Aquele era seu lugar favorito desde que era criança, dava para ver todo o verde da vila e sentir a ventania.
– Sabia que você estaria aqui. – sussurrou Eva, baixo em seu ouvido, dando um susto em Mae.

– Vamos descer para você desfazer suas malas, eu te ajudo a escolher a roupa para festa! Se bem que acho que você vai precisar de um dos meus vestidos decotados... – completou Eva.

Enquanto as meninas desciam as escadas, Theo colocava "I Miss You" do Blink-182 para tocar na caixa de som que estava no jardim.
– Mas já? – gritou Eva da varanda de seu quarto.

– Precisamos nos aquecer para a festa – respondeu Theo.

O sentimento de saudade tomou conta de Mae naquele momento, saudades de sua casa em Madrid e de seus amigos. Mas ela já tinha se acostumado com despedidas, ela e Morrigan já tinham se mudado diversas vezes após o pai dela ter abandonado-as. Morrigan tentava o defender, falando que ele era um homem muito ocupado e não teria tempo parar cuidar de Mae, mas ela não acreditava mais nas palavras da mãe.

Rêveurs de la nuitWhere stories live. Discover now