PRÓLOGO

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      Estava meio escuro lá dentro, ainda que o sol não houvesse sumido por completo no horizonte. Eu ouvia gritos enquanto arrastava a cadeira marrom-escura para o meio do meu quarto. Entre xingamentos e ameaças, a palavra divórcio surgiu. Silêncio. Mais silêncio. A porta bateu. Bateu tão forte quanto o meu coração o fazia. Fui até a janela, meio que por impulso, e vi mamãe andando esbaforida pela calçada. Logo atrás, segurando fielmente a sua garrafa de cerveja, o marido. Não pretendi continuar imaginando a razão daquela briga, mesmo porque eu já tinha entendido que eles eram incompatíveis como casal.

      Abandonei a vista e voltei minha atenção para dentro. O que eu estava prestes a fazer era bem mais importante. Andei em direção ao assento de madeira e deixei em cima dele a corda que estava enrolada em meu ombro. Respirei fundo. Eu sabia como dar bons nós. Acampei uma vez na Reserva Florestal de Lelton; foi lá onde aprendi algumas técnicas de como montar uma tenda para dormir.

      Tinha tudo o que precisava comigo.

      Mãos trêmulas, suor e frio na barriga. Agarrei a corda, desta vez, tentei com mais firmeza, como se ela fosse um troféu precioso o qual eu jamais poderia deixar que caísse, e subi na cadeira, amarrando-a em uma ripa grossa do telhado.

      Era a hora.

      Não havia mais nada a perder. Depois do que pareceu ser um anúncio de separação entre os meus pais, e da dor e os hematomas espalhados por todo o meu corpo, aquilo era, de certa forma, bem mais luxuoso. Sem qualquer motivo aparente, naquele dia mais cedo, na saída do colégio, aqueles filhos da puta me seguiram sem que eu percebesse, me levaram a um lugar deserto, amarraram minhas pernas e braços a um tronco de árvore e me espancaram com pontapés e socos até que o sangue jorrasse pela minha boca como uma fonte de água em uma praça pública. Nem sabia como tinha saído de lá vivo.

      Mas isso logo seria resolvido.

      Eu já não tinha mais brilho. Tudo o que sempre considerei simples se tornou absurdamente complicado. Fazer a janta, lavar a louça ou escrever, coisas que, em outros tempos, eu faria de olhos fechados, se transformaram em catapultas que me lançavam em um lugar escuro, triste e frio.

      E eu permanecia por meses no breu.

      Durante muitos anos, fui condenado a viver unicamente a fim de camuflar os meus sentimentos, e sorrir, como se tudo fosse ridículo de tão perfeito. A experimentar, em suas formas mais grotescas, o assédio moral e físico no colégio; a sobreviver àquele ambiente intragável que se tornou a minha casa. E no fim do dia, eu deveria apenas me conformar com a ideia de que não era forte o suficiente para arrebentar as malditas correntes que me aprisionavam aos meus males.

      Estava exausto de carregar tamanho fardo em meus ombros sem ao menos ter um objetivo. Não tinha ideia do que aconteceria em um futuro a longo prazo, assim como desconhecia o que poderia acontecer no dia seguinte. Eu estava certo em tentar me matar de uma vez, ou quem sabe eu preferisse continuar definhando no escuro do meu quatro.

      Iria acabar tudo igual mesmo.

      Eu só queria que terminasse de uma vez.
      Viver estava insuportável.

      Deixei de lado as terríveis lembranças e me virei para a porta, de modo que a luz mediana que vinha da janela atrás de mim atravessasse timidamente as brechas em torno do meu corpo e desenhasse sua silhueta. Terminei de ajustar a corda ao pescoço. Contemplei pela última vez aquele cenário: o papel de parede antigo, quase sem cor, a cama em seus últimos suspiros, a cômoda de três gavetas ao seu lado... Eu já não pensava em muita coisa, só em acabar com toda aquela merda. Não importava o quanto fosse doer ou o tempo que levaria até que eu morresse. Eu finalmente tomei a decisão; aquela que adiei por muito tempo. Sobreviver em um mundo onde estaria eternamente acorrentado aos grilhões da covardia não era o que eu sonhava para mim.

      Eu finalmente seria livre.
     Mas a porta se abriu.

O Peso do Pensar (em revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora