primeira parte.

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Durante.

Mil palavras são poucas para descrever o quanto foi longa aquela noite.

Os ventos assoviavam causando calafrios na população, e uma chuva pesada, repleta de pedras e raios, faziam os rústicos moradores da cidade se encolherem em seus quartos para rezar pela salvação. Foi nesse cenário mórbido que Padre Erasto conheceu a pior face daquilo que decidiu combater; o Diabo!

O velho Padre Erasto, que no passado já fizera muito mais que rezar e batizar crianças, caminhou pelos corredores escuros da igreja com sua bíblia em mãos. Entrou na sala da lareira, e com paciência aconchegou-se diante das chamas quentes para melhor ler as sagradas escrituras.

Pelas janelas da sala, o velho Padre viu o céu tingir-se de violeta, e dois segundos depois, uma estrondante explosão que ecoou pelas montanhas, fazer todas as luzes da pequena cidade se apagarem simultaneamente; aquela devia ser a tempestade do ano, pensava o Veterano de guerra entre céu e inferno.

Tok, tok, tok...

— Padre Erasto! — gritou o jovem batendo com desespero na porta da igreja, — Padre, socorro!

Erasto levantou-se da poltrona vermelha, largou a bíblia em um local seguro, e de lamparina em mãos caminhou o mais rápido que pôde até a porta para receber, fosse quem fosse aquele que estava a bater com tamanha aflição:

— Estou indo, — respondeu o Padre, — estou indo, meu filho.

Erasto agarrou os puxadores da porta, e com um único movimento à abriu; diante de seus olhos, o jovem Samuel caiu de joelhos. Esgotado. O pobre garoto estava entanguido de frio. Suas roupas empapadas, e o rosto vermelho; provavelmente fizera o trajeto da fazenda até a cidade, em passos largos de corredor.

— P... padre, — tartamudeou o garoto já a ponto de desmaiar, — estão mortos... estão t... estão TODOS MORTOS! — concluiu soltando tudo num grito involuntário.

Erasto envergou-se diante do jovem, e com suas mãos enrugadas afagou sua face branca, trazendo os olhos do rapaz até os seus:

— Filho, diga-me; quem está morto?

— Todos... ela matou a todos. Mas... mas eu escapei. Escapei.

— Quem matou a todos. Vamos, me diga!

O garoto precisou respirar varias vazes para que aquelas palavras tivessem forças para romper as muralhas de sua garganta.

Ao ouvir a resposta, Padre Erasto apanhou o guarda-chuva que estava em repouso ao lado da porta, e na companhia do rapaz correu até a casa de algum dos fiéis mais bravos e valentes da pequena cidade; o padeiro João, o açougueiro Juarez e seu filho José, e por fim, como voluntário, Jeca, o beberrão da cidade se voluntariou para o trabalho.

Os quatro homens armados com espingardas e foices marcharam com o Padre e o menino rumo à fazenda, onde todo o horror acontecera. Precisavam ser rápidos. Precisavam salvar ao menos uma vida.

Mas antes precisavam vencer o vento que lhes queimava as faces. Precisavam lutar contra a natureza. Contra a força dos rios que surgiriam em seu caminho. Precisariam pelejar com o maligno... precisariam ser bravos como nenhum homem jamais fora antes.

*****

Antes.

— Emilin! — gritavam os homens da fazenda andando pela floresta à procura da filha mais velha do poderoso fazendeiro, — cadê você, menina!

Depois da grande chuva, o sol estava a pino. Clima perfeito para as serpentes da região, que alegres e de metabolismo acelerado silvavam escondidas nas moitas, sob pedras, e algumas até na copa das arvores. Mas nada deteria aqueles homens que mutilavam o mato com seus facões, de salvar a vida daquele belo projeto de mulher.

A garota que voltouWhere stories live. Discover now