III

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Aline, finalmente, decide levantar-se do degrau já quente. É a hora de almoço e, apesar das poucas opções que a máquina de comida tem, Aline não sabe o que comer.

Anda até ao quarto 23, ficando parada junto à porta. Espreita lá para dentro e vê o pai sentado a olhar para a mãe, que já tinha acordado. Amália sentiu a presença de alguém na porta e desvia o olhar do marido para lá. Os olhos dela encontram os de Aline que entra de rompante. Abraçam-se e o pai afirma que tem de sair. Não podiam ter um momento de família, não? Não? Claro que não, há sempre alguém que o estraga.

- Como te sentes?

- Eu estou bem, não te preocupes. O teu pai contou-me que tens ficado cá a dormir. Isso não pode continuar!

- Pode, pois, e vai continuar. Para ser sincera, também não quero ir para casa. Fico melhor aqui, não te preocupes! – disse Aline com um tom sarcástico ao proferir as últimas palavras, de modo a que a mãe entendesse que ela repetiu as suas palavras de propósito.

- A comida aqui é uma miséria! Vais ficar muito fraquinha.

- Pede ao pai que me dê dinheiro que eu almoço fora daqui. – disse Aline, desta vez, num tom mais irritado.

- Não sejas assim. Se lhe pedires, ele dá-te.

- Se eu lhe pedir, ele manda-me para casa.

- Pronto, está bem! Eu peço-lhe.

Abel é um homem de família muito reservador e não reage a praticamente nada. A vontade que os filhos têm de lhe dar um abanão, de vez em quando, é grande. Grande...descomunal. A mãe, por outro lado, já se habituara e se conformara.

Aline tem algum dinheiro com ela, por isso decidiu trocar a máquina de comida rápida do terceiro andar pelo bar/cantina do piso 1. A ocupar um grande número de mesas estão vários polícias. A princípio, ela pensou que podiam ter alguma testemunha ou vítima de algum tipo de crime que necessitasse de escolta policial. Mas, depois, pensou que eram demasiados policias para isso. Um criminoso considerado altamente perigoso? Isso talvez e em nada lhe agradou essa hipótese. Se assim fosse, ela estaria em perigo, a mãe estaria em perigo, todos ali estariam em perigo. A presença dos polícias que, à primeira vista, a incomodava, proporciona-lhe agora um alívio.

Ela senta-se na mesa vaga mais próxima dos polícias a ver se ouve alguma coisa. Aline sempre adorou filmes de ação e a mais pequena pitada de informação que ela conseguisse captar dali seria preciosa. Infelizmente para ela, não conseguiu nada. Apenas ouviu murmúrios e a única coisa que reteve deles foi tristeza e angústia. E se não for um criminoso?

Tantos eram os polícias a sentir-se daquela maneira invulgar que Aline se sentiu como um deles, como se os poros da sua pele tivessem absorvido os sentimentos que aqueles rostos, agora vazios, libertaram. Algo trágico tinha acontecido, ela podia perceber.

Um sentimento de incapacidade avassalara Aline. Ela quer poder ajudar, mesmo que não saiba o que acontecera. Ela quer fazer parte de algo maior. O facto de ter visto demasiada televisão durante a sua infância está a mostrar as suas consequências agora. A verdade é que, sim, ela vai fazer parte daquilo, de algo maior. Ela é que ainda não o sabe.

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⏰ Última atualização: Aug 20, 2016 ⏰

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