Quando a quantidade de pessoas em volta de Laura diminui, caminho até onde ela está, abraço-a forte e dou meus pêsames. Ela acaricia meu rosto seco, sem lágrimas, eu não usava óculos escuros, não era necessário, eu conhecia a minha dor e não me importava com a opinião dos outros.

— Eu sei. — é tudo o que ela diz antes de beijar minha face e sair amparada por sua cunhada, irmã de seu falecido marido. Sem me explicar o que aquelas duas palavras significavam. Apenas fico observando-a se distanciar e sendo abordada por algumas pessoas que provavelmente queriam lhe dar suas condolências, algumas delas nem conheciam a Duda direito.

— Ela é uma mulher forte, não vai ser fácil, mas ela irá superar. Tenho certeza. — Me viro e dou de cara com minha tia.

— Tomara! — Volto novamente minha atenção para elas, que já entravam no carro, que em poucos instantes começa a se distanciar. — Estou indo pra casa, preciso tomar um banho e tentar dormir um pouco. — voltando a olhar para minha tia, massageio minhas têmporas. — Todos já foram? Onde está a vovó? — pergunto já correndo meu olhar pelo imenso tapete de grama verde.

— Mamãe está falando com a Lívia, ela e Ettore ficaram, os outros já foram. — senti em sua voz que ela queria dizer mais do que disse. — Está sendo difícil para ele! — fala olhando em direção à sepultura, seguindo seu olhar, deparo-me com Gaspar e compreendo a quem ela tinha se referido.

— Está sendo difícil para todos nós, por que está me olhando assim, tia? Pode parar! — falo tentando me desvencilhar.

— Ele precisa de um amigo, alguém que entenda a dor pela qual ele está vivendo.

— Ele tem o Henrique! — falo na defensiva. — Você realmente acha que eu tenho condições de falar com ele neste momento? Eu não consegui derramar uma única lágrima, desde a notícia do falecimento da Duda, sou a pessoa menos indicada para ir falar com ele. — Minha atenção ainda estava nele, Gaspar não estava muito distante, fico apenas olhando. — Não sou uma boa companhia, nem para mim mesma. — Falo com sinceridade sem olhar para minha tia e sem desviar minha atenção do Gaspar.

— Às vezes não é preciso dizer nada, só é necessário que esteja perto. — Ela segura minhas mãos, volto minha atenção para ela. — Lys! Acho que vocês precisam um do outro. E o fato de você ainda não ter conseguido chorar não significa que não esteja sofrendo. — Ela me abraça forte, minha tia me conhecia tão bem, minha avó e ela eram como mães para mim, não sei o que teria sido da minha vida sem elas.

— Talvez o Henrique seja a melhor pessoa para falar com ele neste momento.

— Querida, vá falar com ele! — diz virando-se, indo em direção onde minha avó ainda estava conversando com Lívia.

Volto a olhar para ele, sozinho, olhando para o nada. Parecia que ninguém tinha coragem de chegar perto dele. Ele sempre foi um cara pra cima, romântico, sonhador mesmo não tendo muita paciência para pessoas esnobes e metidas, neste momento parecia que algo dentro dele havia se quebrado. Caminho até onde ele se encontra, assim que estamos lado a lado, o silêncio sepulcral que rodeia o ambiente se intensifica ainda mais. Assim como Gaspar, começo a observar com mais atenção os coveiros finalizando seu trabalho, ele parecia ter perdido a noção do tempo, era como se não estivesse ali.

— Fiquei tão furioso com ela... — ele finalmente interrompe o silêncio. — Por ter desistido. — Seu tom era melancólico e triste.

— Você não acha que está sendo injusto? Ela não desistiu, sabe disso melhor do que ninguém. — Me volto para ficar de frente para ele. — Ela lutou durante um ano, fez uma escolha, mas nunca deixou de lutar. Primeiro pela Isa e por você, depois pela vida. — Gaspar me encara. — Ela escolheu viver seus últimos dias com as pessoas que ela amava, estando lúcida e forte o bastante para ficar presente, ao invés de dopada, com drogas fortes e passando mal a maior parte do tempo. — Ele retira os óculos escuros e me encara com aqueles enormes e avermelhados olhos com uma tonalidade diferente um verde meio dourado ou azulado.

— Eu sei, ainda assim não deixa de ser difícil. Ela é o grande amor da minha vida, minha outra metade. — Nunca tinha conhecido alguém com uma voz tão profunda quando a dele, Gaspar sempre teve uma confiança inabalável. Sempre foi o tipo do homem com plena certeza das suas convicções, com sua postura firme que emanava confiança, mesmo que esse seu lado estivesse apagado pelo luto, ainda estava lá. O amor que ele sente pela Duda é de uma profundidade que assusta, quando estavam juntos, um parecia ser a extensão do outro.

— Sabe, ficar aqui não vai fazer bem a nem um de nós dois, e eu aposto que a Duda ficaria uma fera com a gente — tento colocar um pouco de humor nas palavras, mas não funciona muito bem. — O que acha de irmos para casa ou para o Nixy's? O Nicholas fechou, mas deve estar no apartamento em cima do bar.

— Contanto que você não encha a cara e caia matando em cima de mim para me consolar ou encontre algum ex-namorado babaca e queira me usar para fazer ciúmes, eu topo — ele também tenta ser engraçado, mas sua voz estava apagada. Ele tinha que me lembrar do dia que nos conhecemos, típico.

— Por que insiste em relembrar daquilo? Pelo amor de Deus, meu estômago ainda embrulha. — Falo sem conseguir conter um discreto sorriso.

— Não foi o marco da minha vida, mas é impossível não lembrar. Foi naquele dia que conheci a Duda — ele tenta forçar um meio sorriso que acaba saindo como uma careta.

— Vem! Vamos encher a cara. Aproveitar que a Samara está com a Isa — seguro sua mão e puxo-o em direção ao meu carro. Sabia que ele tinha vindo de carona com o irmão caçula, Mael, então o levaria para casa. Passamos onde minha avó, tia Liliana e seus pais Lívia e Ettore estavam e damos um beijo de despedida em cada um deles.

— Não estou com disposição de encontrar ninguém, Lys. — Fala quando já estamos dentro do carro.

— Eu também não estou, vai ser apenas nós dois, vamos para casa.

— Não quero ir para casa agora, as lembranças irão me esmagar.

— O Nixy's está fechado, não tem ninguém, talvez o Henrique esteja, mas ele é da família.

— Podemos ir para seu apartamento? Não quero ver ninguém, não tenho humor para isso. — ele não desvia os olhos da paisagem que passava pela janela ao falar.

— Claro! Acho que tenho uma garrafa de tequilaem algum lugar. — falo e enquanto seguimos nosso caminho para fora docemitério, vejo um discreto e triste sorriso em seus lábios.

Perdas e Ganhos (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now