Capítulo 2

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Juriti é o terceiro município mais populoso do noroeste paulista. Seu PIB ocupa a oitava posição entre os maiores de São Paulo. Mas isso não quer dizer que todos os habitantes desfrutem dessa riqueza toda. Minha cidade é terra de contrastes gritantes - um reflexo perfeito do Brasil. Temos bairros que detêm a maior renda per capita - em geral, habitados por empresários provenientes do agronegócio ou políticos pertencentes a famílias ricas fundadoras de Juriti. Em contrapartida, encontramos localidades - como aquela onde eu, minha mãe, Andréa, seus pais e irmãos moramos - paupérrimas. A maioria dos habitantes delas trabalha em posições subalternas em indústrias agrícolas ou na Indústria Metz Alimentícia Ltda. Os menos privilegiados moram próximo ou à beira do rio Juriti, de onde, há quase 150 anos, se originou o nome do município.

No entanto, minha cidade tem uma peculiaridade, assim como acontece em algumas cidades brasileiras. Juriti é disputada por duas famílias poderosas e riquíssimas: os Castro Lopes e os Fortunato Ferreira. A disputa por espaço político entre eles já dura mais de um século. E membros dessas famílias se revezam no cargo de prefeito por esse mesmo intervalo de tempo. Meu avô Geraldo conta que uma vez outra família tentou entrar na disputa por votos para o cargo político mais almejado da cidade, porém, o candidato escolhido para representá-la desapareceu misteriosamente dias antes da eleição. Nunca mais se ouviu falar nele; tampouco acharam qualquer pista que pudesse apontar se ele foi assassinado. O cara desapareceu da face da Terra. Reza a lenda que uma das duas famílias "donas de Juriti" encomendou sua morte e ordenou que esquartejasse o pobre rapaz em partes tão pequenas que a terra, à beira do rio Juriti, as engolisse sem deixar rastros.

Só de pensar nessa história meu corpo se arrepia e um medo inexplicável sobe por minha espinha. Graças ao bom Deus, os Castro Lopes e os Fortunato Ferreira são povos da paz atualmente. Quando brigam, é sempre por meio de jingles criativos de campanhas. E aceitam bem, aparentemente, quando um deles sai perdedor da corrida para a prefeitura. Talvez seja porque um prefeito nunca é reeleito por aqui. Parece que o povo gosta mesmo é de variar entre as duas famílias, para deixar o cenário político da cidade mais emocionante.

Todavia, tudo indica que as coisas vão mudar...

Abraço meu corpo, sentada no banco duro do ônibus, ao ver o bairro Ladeira do Juriti se aproximar. Não serei apenas eu que, após tantos anos num emprego sólido na Metz, encararei novos desafios. A cidade toda está na expectativa das próximas eleições, que prometem quebrar o padrão de não permitir que uma mesma família permaneça no poder por mais de quatro anos seguidos. Possivelmente o prefeito Ademar Castro Lopes não dará lugar a algum membro dos Fortunato Ferreira; tampouco se candidatará à reeleição. Vê-se por todos os cantos apostas de que o próximo prefeito será alguém da mesma família que está governando Juriti: o filho do Seu Ademar.

Tomaz Castro Lopes tem apenas 30 anos, mas seu currículo é invejável até para os políticos mais experientes. Ele se elegeu vereador aos 18 anos. Aos 22, se tornou secretário municipal de finanças - após concluir a faculdade de Economia. E, no ano retrasado, encerrou seu mandato como deputado estadual. Ninguém tem dúvida de que essa carreira tão promissora foi possível graças à influência da família dele na política. Sussurra-se, inclusive, em todos os estabelecimentos comerciais da cidade, que a grande ambição de Seu Ademar é que o filho seja, algum dia, eleito presidente do Brasil. Está na cara que o prefeito é frustrado por nunca ter realizado esse sonho, ele mesmo.

O possível futuro jovem prefeito é bastante discreto. Ao contrário da irmã, Luciane, que vive sendo flagrada em situações embaraçosas nas baladas de cidades vizinhas - e por isso acabou, no começo do ano, sendo "deportada" pelos pais para estudar na Irlanda -, Tomaz parece seguir cegamente as normas de conduta e as "leis" impostas pelo pai. Pouco se ouve falar de sua vida social. A única namorada famosa que teve, também herdeira de uma família de políticos famosíssimos do Mato Grosso, jamais veio a público para dar qualquer declaração sobre o fim do namoro - que todos acreditavam que acabaria em casamento. E ele é bastante querido em Juriti, pois ajudou a implantar algumas melhorias na cidade durante seus mandatos como vereador e deputado estadual.

A estrela mais brilhante (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora