Reconhecer

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"Fui para os bosques viver de livre vontade. Para sugar todo o tutano da vida. Para aniquilar tudo o que não era vida e para quando morrer, não descobrir que não vivi."

(Henry David Thoreau)


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Eu estou um pouco perdida no tempo, meio que sem saber por onde começar e que palavras usar. Meu fone de ouvido, que de repente está funcionando apenas de um lado, aparenta ser o órgão mais importante desse meu cansado corpo. Entretanto, não é sobre ele que desejo transbordar, e sim acerca desse pesado, pulsante, rachado e vazio coração. Cada dia que passa, sinto que a minha alma é, de fato, um poço fundo, preenchido pela ausência de histórias, sorrisos e momentos de tirar o fôlego. E talvez seja por isso que eu esteja aqui, nessa madrugada qualquer, pensando em como a minha vida está tão distante de mim. A minha vida. Minha. E mesmo assim parece que há um abismo separando essa carne e esses ossos de todos os meus sonhos, meus desejos, tudo que realmente sou. Aliás, não suporto mais esconder essa angustia: Sinto saudades de mim.

Quero poder ter alguns minutos para conversar com essa pessoa que me olha friamente pelo reflexo do espelho. Quero alguns dias para vasculhar os corredores da minha mente e tentar conhecer os sentimentos que enterrei inocentemente. Quero algumas semanas para rir das minhas infantilidades, do meu vício por balas de goma, do meu fascínio por noites estreladas e pelo meu péssimo hábito alimentar. Quero alguns meses para juntar a minha felicidade que se tornou cacos de vidro, os quais larguei nos diversos caminhos que venho trilhando, e quem sabe fazer uma obra de arte, tingindo cada pedaço cortante com uma cor vibrante, para só depois, calmamente, ir registrando neles variados nomes. Nomes de quem passou por essa minha rotineira vida; nomes de gente que, por mais passageira que tenha sido a visita, deixou uma cor em meu olhar.

Quero algumas noites para dormir e ficar em paz apenas comigo, sem ter as vozes do interior recitando listas de coisas que eu deveria ter feito, que deverei fazer, que jamais poderei fazer.

Quero algumas manhãs para eu me conhecer, levar-me para tomar um saboroso café e ter a certeza de que não desisti de mim.

Quero, sinceramente, alguns anos para verdadeiramente viver.

Eu preciso respirar mais devagar (para deixar o ar dominar cada esquina desses meus pulmões agitados); preciso acordar mais devagar, dormir mais devagar. Preciso aproveitar mais devagar o dia. Sinto que, ultimamente, cada camada da minha identidade perdeu-se nos ponteiros do relógio e no som do despertador.

Simplesmente não dá mais. Cheguei no meu limite. Como se eu estivesse caindo de uma altura absurda, e agora minha face encontra-se bem diante do chão firme. Ou deixo a terra seca chocar contra o meu corpo e destruir tudo o que restou, ou tento abrir esse paraquedas e pousar levemente, aproveitando cada segundo dos momentos que tantos tentam roubar de mim. Transformar-me em instantes.

Permitir-me florescer e inspirar cada estação que passar pelas partículas de meu corpo. Sim, é exatamente isso. Preciso sentir as borboletas que voam no estômago, o frio na barriga como quando andamos de montanha-russa, a leveza que habita a alma após uma tarde de risadas, o calor de um pôr-do-sol que leva embora todas as decepções, a essência da vida.

Não, realmente não dá mais. A minha alma grita, meu corpo chora e implora. Quero me afogar em meu próprio universo; encantar-me comigo externamente e interiormente.

Viver-me.

Reconhecer-me.


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Espero que tenham gostado

Agradeço a leitura.

Beijos! 

A Poesia dos Big BangsWhere stories live. Discover now