A Primeira Lição de um Arcanista

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Nylo observava as formas de seu mestre com fixado interesse. Levaria tempo para acostumar-se aos traços característicos do mizraën sentado de pernas cruzadas logo à sua frente. A pele avermelhada refletia a luz das chamas da fogueira próxima como se do coração de suas brasas tivesse surgido. Seus olhos completamente negros, desprovidos de qualquer resquício do que se poderia considerar uma íris, deixavam-no sempre inquieto, pois nunca sabia exatamente para onde seu mestre olhava. O queixo que terminava em uma miríade de espinhos negros só não era mais inquietante que seus chifres curvos, os quais saiam de sua testa em direção à nuca, contorcendo-se pelo caminho de maneira abissal. Mas, por Tozen, a coisa que mais prendia sua atenção era aquela cauda. Enorme, espinhenta. E nunca parava de se mover.

- Nylo? Está prestando atenção no que estou dizendo? Ou minha cauda roubou-lhe mais uma vez seus pensamentos distraindo-o do que realmente é importante?

E, é claro, havia aquele sotaque simplesmente inconfundível.

- Temos que admitir, Zael, é uma cauda impressionante – Retrucou o garoto com sua sagacidade costumeira.

Tzaelanir levou uma de suas mãos até o cenho e o massageou com os dedos em pinça. Nylo era um interminável teste à sua já diminuta paciência.

O pequeno humano não devia ter mais do que quatorze invernos de vida. Sua pele morena revelava a descendência nayllequiana. Lugar onde ficara órfão em tenra idade. Lugar onde tornara-se um escravo. Lugar onde realizara uma demonstração impressionante do poder incontrolável de um moldador que ainda não se conhecia como tal... Ao propelir uma explosão khórica contra dois guardas incautos logo após ser pego tentando roubar comida para sobreviver. Ele estaria morto agora, como seus originais captores, ou trancafiado em alguma masmorra de Indraal caso o mizraën não o tivesse salvo por meio de uma compra tão inesperada de seus direitos de escravidão há apenas algumas oitenas.

"Ele é muito velho para se tornar um aprendiz", podia ouvir a voz de seus antigos companheiros conservadores de Morkhaën rondando seus pensamentos. Certamente era o que diriam ao vê-lo tomar o ex-escravo por seu discípulo e arriscar-se a guiá-lo pelos caminhos do Khorus. Mas um genuíno arcanista, sempre dizia para si mesmo, sabe identificar o potencial em qualquer que seja a forma na qual se apresente. E Nylo era puro potencial.

"Ele só custa a ser inteligente e utilizar isso a se favor", repetiu, contendo a raiva que inundava seus pensamentos.

Lançou mais um de seus melhores olhares de desaprovação sobre o garoto. Ele estava sentado em pose semelhante à sua, compartilhando de sua esteira de meditação com o intuito de não encardir as poucas roupas de viagem que possuía com o substrato terroso do bosque.

- Estava estranhando o fato de ter conseguido manter sua boca calada por mais do que dez segundos sem produzir nenhum comentário mordaz – Tzaelanir disse rispidamente. – Pelo menos escutou qual foi minha pergunta?

- "Qual a diferença entre um moldador e um arcanista?"

- Exato – Surpreendeu-se com a rapidez da resposta de Nylo.

- Então?

- Então o quê?

- Qual a diferença? Digo, você é o tutor aqui. Esperava que fosse uma pergunta retórica e que iria me explicar logo em seguida. Bem, pelo menos foi o que achei antes de você me acusar de estar prestando atenção somente na sua cauda. Para constar, isso feriu meus sentimentos.

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