1- 10 de Janeiro de 2014

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Perda.

Boa noite, diário,

Olha, estou bufando de raiva por escrever hoje, sei que me deseja um feliz aniversário de dezenove anos, mas a realidade é que meu dia foi uma merda completa, não sei como tenho forças para escrever em você.

Hoje, no meu aniversário, meu pai sofreu um acidente de carro e faleceu.

É... Você deve estar pensando: "E como ainda consegue escrever nesse estado?".

A resposta é... Não tenho ninguém para desabafar!!!

Pior de tudo: estou desidratada de tanto chorar. É sério, Didi, estou sentindo como se um punhal tivesse sido cravado no meu peito e minhas forças tivessem ido embora de repente; o ar me falta, a vida se esvaiu das minhas mãos... Sabe, Didi, nesses quatro anos de amizade cúmplice, eu jamais pensei que te contaria um acidente tão fatídico dessa maneira. É sério, eu imaginei que, sei lá, daqui a uns quarenta anos talvez eu estivesse escrevendo em uma das suas versões mega high techs, explicando os últimos suspiros do meu pai em sua avançada idade, mas nada como o que houve hoje.

Amanhã é o enterro, eu só posso contar a você como me sinto. A mamãe já está desolada demais e eu não tenho amigos, como já te disse... Então é isso.

Ainda lembro de quando eu era criança. Ele sempre me colocava para dormir, cantava e orava comigo. Meu pai me levava à igreja toda semana e eu adorava aquilo, era uma ligação só nossa, sabe?

Ele sempre me dizia que o mundo lá fora é algo tão imenso que nem se ele vivesse mil anos poderia me explicar. Orava pedindo a Deus que me desse as melhores experiências na vida e que eu fosse, no futuro, uma mulher de exemplo digno de ser copiado.

Como eu queria que ele estivesse presente para me ver sendo essa mulher.

Não que eu fosse algum tipo de exemplo para alguém, pelo contrário... Já cometi tantos erros nesses meus dezenove anos que eu teria que passar a vida inteira me redimindo para que meu exemplo fosse digno! Tá... eu sei, estou sendo dramática, afinal, nunca usei drogas nem roubei ou matei.... Mas fugir da escola, beber escondido, falsificar identidade e perder a virgindade com um desconhecido estando bêbada num beco escuro — uma longa história para explicar depois — passam bem perto, levando em consideração os princípios em que meu pai me criou, que sempre foram baseados no evangelho. Eu me sentia culpada, tive meus momentos rebeldes apenas por curiosidade, mas isso não me deixou feliz nem por um minuto. Deus me livre de cometer os mesmos erros novamente!

Mas e agora, o que será da minha vida, Didi?

O que eu farei sem meu pai para me aconselhar?

O que será das minhas decisões sobre meu futuro?

Não faço nada mais do que trabalhar numa floricultura em meio período e fazer uns cursinhos extracurriculares, porque ainda não descobri o que eu quero fazer na faculdade.

Ah. Meu. Deus. A faculdade!

Como a farei agora? Meu pai sempre bancou tudo, mesmo ganhando pouco na fábrica em que trabalhava, e eu não me lembro de ter nenhum parente a quem recorrer.

Minha vida acabou junto com a dele e eu aqui pensando em faculdade? Sim, é inevitável fazer uma reflexão completa da vida depois de ver a da pessoa que mais amo ir assim, sem mais nem menos.

Se ao menos eu tivesse mais algum parente vivo...

Meu pai tem um pai!

Claro... estou me lembrando, tem meu avô, meu avozinho lindo que sinto tanta saudade! Me lembro até hoje de quando eu tinha oito anos. Meu pai disse que iria ver meu avozinho pela última vez e que ele moraria longe de nós. Chorei tanto, eu o amava demais! Seu cheiro de chiclete — sim, ele cheirava a chiclete e eu adorava — ainda está vívido em minha memória. Um senhor tão amoroso... Como eu sinto falta dos seus abraços!

Quero tanto revê-lo, tanto abraçá-lo novamente!

Mas será que ele ainda é vivo?

Meu pai iria gostar de me ver perto do meu avô de novo?

Preciso encontrá-lo, saber dele. Preciso de proximidade com o sangue do meu pai para não cair na tristeza de vez.

Pior que nem sei se meu avô sabe do acidente de meu pai. Enfim... A partir de hoje seremos eu e mamãe contra o mundo!

O negócio é me conformar e viver um dia de cada vez.

Deus me dê forças, porque nem sei como estou conseguindo escrever aqui hoje.

Até amanhã ;)

AMOSTRA - O Diário de uma recém milionária.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora