Os Frutos

1.3K 17 6
                                    

Enxadão no ombro, naquele dia o açougueiro parou espantado na beira do rio.
Existem sementes-borboletas: caem das árvores rolando no vento — um caroço com asas
— para germinar longe. Sementes-projéteis, como a da mamona: estoura com o sol e joga
longe as sementes.
E sementes-vagens, sementes-pára-quedas, sementes que viajam no vento, nas enxurradas,
no bico dos pássaros, na pelagem ou na bosta dos bichos.
Ele conhecia todas as sementes de Felicidade, mas um dia tinha achado umas pretas,
redondas e duras como nunca tinha visto. Plantou uma por uma na beira do rio e já tinham
germinado: as plantinhas já estavam com palmos de altura!
Em menos de semana, já pendurava nelas o embornal.
Logo começaram a dar sombra, e passarinhos fizeram ninhos; cantavam enquanto ele
pescava.
Um dia, quando já eram árvores copadas, ele olhou bem e falou baixinho: — Já vi essa
árvore antes...
Um homem tinha amarrado um bode no pé de uma das árvores, e o bode tinha comido o
capim em redor; agora ela estava alta e copada no meio duma clareira.
— Já vi essa árvore antes — o açougueiro pensou de novo em voz alta — e o homem, que
vinha chegando para pegar o bode, ouviu aquilo e, só por olhar, olhou a árvore e arregalou os
olhos: — É uma árvore de dinheiro! — e afastou um passo como se visse o demônio.
Tirou da cinta o facão de cortar capim. Tinha sido rico no tempo do dinheiro, e agora
levava nas costas um saco de capim para o bode; então foi com ódio que avançou para a
árvore erguendo o facão.
— Ficou louco? — o açougueiro falou e o homem parou com o braço no ar.
— É preciso cortar essa desgraça!
— Ela dá sombra.
— Mas dá dinheiro também! Vou cortar!
— Mas tem um ninho lá, olha!
— Vou é buscar machado e cortar!
O homem foi desamarrar o bode, o açougueiro ficou olhando a árvore.
Ainda não tinha reparado que aquelas pareciam mesmo árvores de dinheiro mas, olhando
bem, que seriam aquelas coisas ali no chão? Agora o homem também via, no capim tosado
pelo bode, aquelas coisas espalhadas, como se fossem feitas só para estar ali, naquele
momento e para sempre, tão naturais que até pareciam...
— Frutas! — o açougueiro pegou uma e cheirou para acreditar. — Nunca vi uma árvore dar
fruta tão depressa assim!
O homem já passava com o bode, tropeçando na pressa de ir buscar um machado:
— E se der dinheiro também? Melhor cortar logo!
Mas escorregou, amassando uma fruta no capim. O vento levou o cheiro até o bêbado
dormindo ali numa moita. Acordando, ele se levantou e pegou a fruta amassada.
Olhou, cheirou, esfregou nos dedos uma gota do caldo.
— Será que é de comer?
— Tem jeito! — ouviram uma voz de mulher. Era a velha empregada do velho pão-duro, e
isso fez o homem lembrar das três sementes, da primeira árvore, das árvores todas — e puxou
o bode pela corda, mas o bicho empacou mastigando uma fruta.
— Esse bicho come de tudo — o homem puxava a corda. — Vou buscar o machado.
— Você sumiu! — o açougueiro nem acreditava ver a velha de volta.
— Isso virou um inferno — o bêbado resmungou.
— Mas passou.
— Eu senti que devia voltar — a velha pegou uma fruta.
— Eu também! — o bêbado lambeu no dedo uma gota de caldo. — Senti que devia voltar.
Mas será que é fruta de comer?
Uma bem madura caiu no rio e, antes que afundasse, os peixes já bicavam.
— Só tem um jeito de saber — o açougueiro mordeu.
O bêbado e a velha morderam também.
— É gostosa.
— Cheirosa.
— Macia.
Comiam com tanto gosto que o homem pegou uma. Olhou, cheirou.
— Dá mesmo vontade de...
Os outros já comiam, cada um, a segunda e andavam em volta da árvore procurando mais.
O homem abriu a fruta, o caldo escorreu nos dedos. Lambeu, deu uma mordidinha, mordeu
mais — e, para comer com as duas mãos, até desamarrou o bode.
— Fruta boa! — e, lembrando da árvore, engasgou. — Mas será que não vai mesmo dar
dinheiro mais?
— Se der, agora a gente já sabe o que fazer — o açougueiro jogou algumas frutas para os
peixes.
— Agora sei por que voltei — o bêbado falou de boca cheia, e a velha completou: — Pra
comer essa fruta!!
— É muito boa mesmo — o homem se lambuzava. — Então por que jogar tantas pros
peixes?
— Eles gostam! — o açougueiro jogou mais algumas.
Na cidade, todo mundo também gostou das frutas: logo descobriram que davam suco, doce e
geléia. As sementes davam colares e terços, e não havia nada melhor para os velhos usarem
de fichas no baralho. As flores também eram cheirosas e bonitas, as árvores viviam cheias de
abelhas.
Então, plantaram mais sementes na estrada, nas chácaras, até que as árvores se espalharam
e chegaram aos quintais — e todo dia algum menino descobria que também eram árvores
gostosas de trepar, melhores ainda pra juntar passarinho — e continuaram dando frutos,
sementes, flores, sombras, cantos e alegria para Felicidade, por muito e muito tempo.

🎉 Você terminou a leitura de A Árvore que Dava Dinheiro - Domingos Pellegrini 🎉
A Árvore que Dava Dinheiro - Domingos PellegriniOnde histórias criam vida. Descubra agora