O pó

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Nem perceberam em que dia foi, porque ainda tinha muito dinheiro pelos quintais, pelas


ruas; só perceberam quando um menino apontou uma árvore e mostrou: não nasciam mais


flores.


Os telefones tocaram na cidade inteira; as famílias e os sócios se consultavam: o que


fazer?!


Numa meia-noite de chuva se reuniram na Prefeitura as mulheres e os homens de negócio de


Felicidade, mãos raladas de cozinhar, pernas cansadas de atender mesas, irritados porque


eram todos concorrentes e, de repente, tinham de ser aliados: os problemas de todos eram os


mesmos.


- Como pagar a reforma, a geladeira, todo o equipamento?


E começaram a fazer contas; nunca tinham somado todas as despesas, e agora os números


assustavam.


- E os estoques, como pagar os estoques se pararem as vendas?


E calcularam o custo dos estoques, e os números apavoravam.


- Quem pegou dinheiro no banco, como vai pagar?


E calcularam os juros; quando emprestaram o dinheiro, nem tinham percebido que eram


prazos tão curtos e juros tão altos.


E discutiram e lamentaram, e refizeram as contas e se acusaram: - Só abri hotel porque


você também abriu!


- E abriu na frente do meu, pra dividir freguesia; senão hoje eu tinha com que pagar o


banco! Por que não ficou só com o restaurante?


- Numa democracia todos devem ter oportunidade!


- Então agora não reclame.


Uma mulher levantou com olhos de ódio: - Fui a primeira a vender crochê, mas logo tantas


começaram que tive de abaixar o preço!


Outras mulheres levantavam acusando, gritando.


O prefeito pedia calma.
- Agora você pede calma! Por que não pediu quando começamos a abrir as lojas?!


- Os impostos você cobrou direitinho.


- E vocês queriam o quê? Que a cidade virasse chiqueiro? Compramos três caminhões de


lixo.


- Grande investimento. Quando os turistas forem embora, nosso lixo vai caber numa


carroça.


- Pelo menos vamos ter de novo uma cidade limpa.


- Eu preferia um chiqueiro com dinheiro.


- Porco é o que não falta...


Começo de briga.


- Deixa disso.


Uma mulher desmaiou.


- Vamos botar a cabeça no lugar, gente! O que fazer?!


De manhãzinha eles sacudiram os meninos: - Acorda, filho, levanta.


Mandaram subir nas árvores com dinheiro para colar nos galhos; e assim, quando os turistas


acordaram, as árvores tinham dinheiro de novo.

A Árvore que Dava Dinheiro - Domingos PellegriniWhere stories live. Discover now