II

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A fumaça que emanava das mesas circulares dançava no palco com os movimentos das dançarinas em volta dos mastros cromados.

Lembrava-se da primeira vez que vira o salão, o choque e o nervosismo tomando conta de seu corpo. E só conseguiu relaxar após dois comprimidos de ecstasy, que adquirira de Guto.

Agora a visão dos corpos em torno dos poles era tão familiar quanto sua sala de estar, com brinquedos espalhados em contraste com as almofadas metodicamente dispostas no conjunto de estofados de um vermelho quase agressivo.

Vermelho como as luzes que iluminavam os corpos curvilíneos que dançavam para seu deleite.

E entre o cheiro de cigarro e bebida, fez seu caminho até a mesa habitual. Era seu dia de ficar até tarde após o serviço.

Sabia muito bem o que iria acontecer. Alguns drinques, cocaína ou um ou dois cigarros de maconha e ele estaria leve. Livre de consciência, de si. Refém do momento.

E enquanto a batida soasse nos alto-falantes, gritaria ofensas machistas. E elas sorririam, porque foram pagas para apreciar tal prepotência. Ele objetificar-lhes-ia, porque era de sua natureza distorcida encarar o sexo feminino como seu, como subordinado a seus desejos selvagens.

E ele já usava aquele sorriso insolente no rosto e a gravata pendendo em seu pescoço. Era um executivo, com ar de homem respeitado. A barba por fazer mostrava que pouco queria permanecer em casa. E ele punha-se ereto, quase imponente, não fosse pelo passo vacilante que demonstrava o excesso de empenho em parecer. Parecer mais, mais do que era, mais do que seria em toda sua vida.

Sentou-se e levou um cigarro à boca, olhando para o palco com aquele olhar de um cliente analisando um produto. E era isso que elas eram para ele, afinal. Produtos comprados para que pudesse escapar de sua realidade. Eram como as drogas. Minutos de prazer para que saísse de si, do seu mundo.

Sim. Eram drogas. E ele estava se entregando cada vez mais.

Em menos de três horas, estaria cambaleando em direção a seu confortável apartamento, com a blusa mal abotoada e um sorriso no rosto. E iria até o quarto de hóspedes. Quando acordasse, Amélia já haveria preparado seu café da manhã, e seria a esposa dedicada e negligente que sempre fora. Não seria a primeira vez.

E ela sorriria para ele, feliz em vê-lo após uma longa noite de trabalho.

Ele riu entre dentes, soprando a fumaça para o teto. Vadia estúpida. Ao menos servia para cuidar do filho e mantê-lo longe de sua vista. E o bastardo sabia com quem estava se metendo. Não odiava a criança, mas a sensação de dívida que ele passava com seus olhos cheios de súplica. E talvez acertasse-o com um tapa caso questionasse onde estivera durante a noite.

Ou gritasse que estava com outra. Que havia cansado de sua mãe, que ela já não o satisfazia mais. Que servia mais como empregada que como esposa. Talvez isso o calasse, e era exatamente disso que precisava. Silêncio, sem a irritante voz de Amélia tentando puxar assunto.

Não demorou muito para que Guto juntasse-se a ele. E trouxesse os habituais entorpecentes. Recepcionou-o com um sorriso no rosto, refletido nos olhos do falso amigo, alegre por ter um devedor tão poderoso em sua mão.

Já eram milhares de reais pelas drogas caras e os serviços sujos. Mas não havia pressa. A ligação que a dívida proporcionava era mais satisfatória que o montante em si.

E era disso que Guto precisava.

E esperaram juntos pela estrela da noite.

Sabiam que ela havia pisado no palco porque as luzes estremeceram e os holofotes iluminaram a figura bronzeada de cabelos negros com mechas roxas — ou talvez fosse apenas efeito ótico.

Um sorriso nos lábios carnudos pintados de vermelho e um traje de couro que despertava a testosterona. E acompanhava as batidas enquanto retirava o figurino que parecera levar horas para vestir, tamanha a perfeição com a qual aderira a seu corpo voluptuoso.

Era ela.

Ele estremeceu. E levantou.

Caminhou até a borda do palco e pôs dez notas de cem entre os dente, para que ela fosse sua por alguns minutos.

E ela sorriu quando a mão dele apertou suas nádegas.

Um caso de amor à primeira vista e um de puro profissionalismo. Uma história de adultério e uma de rebeldia, ambos desafiando alguém. Ele queria que Amélia o visse naquele momento, atravessando o salão com os mais belos peitos do local. E ela? Ela queria que o mundo soubesse o quanto ela era desejada.

Crime e ego, prepotência e autossuficiência.

E inveja fatal a olhá-los de canto.

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⏰ Last updated: May 21, 2016 ⏰

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