SEM RESPOSTA

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          Do terraço do prédio onde Olívia Mount morava, era possível observar boa parte de Reith, cidade que, em sua opinião, abrigava uma grande quantidade de passados ruins. Era ali onde passava suas noites, onde seus pensamentos podiam correr livres para onde quisessem e, também, onde conseguia esquecer as vozes que impregnavam sua mente.

          O lugar não era dos mais bonitos. Havia tijolos partidos ao meio por todos os cantos, caixotes de madeira quebrados, montes de pisos e pacotes de cimento, já vencidos. Mas nada disso foi um problema para que Olívia o tornasse seu refúgio. Podia ver as estrelas, o nascer do sol, observar as pessoas lá embaixo e, principalmente, deleitar-se com a chuva sem que alguém achasse isso estranho. Podia ser ela mesma, sem ter que se preocupar com isso.

          Olívia era uma mulher jovem, tinha 27 anos. Apesar disso, não se parecia com a maioria das mulheres da sua idade. Seus cabelos negros e compridos estavam sempre bagunçados, não gostava de maquiagens e suas roupas não costumavam ser coloridas, muito menos extravagantes. Ela nunca havia se preocupado demais com a aparência. Gostava de parecer natural, como ela realmente era.

          Trabalhando durante o dia em uma biblioteca, ela conseguia dinheiro suficiente para manter sua vida, pois a relação péssima que tinha com sua mãe a levou a sair de casa logo cedo. Sempre fora determinada, tinha fome de independência. Odiava sentir que devia algo. Desde criança tentava fazer tudo sozinha, mesmo que às vezes isso a prejudicasse. Porém, tinha orgulho de não precisar se prender a alguém. Nunca havia tido um relacionamento amoroso, já era difícil o suficiente lidar consigo mesma e, além disso, nunca acreditou que daria certo mantendo algo que requer tanta entrega. Sempre pensou que essa necessidade de outras pessoas era a forma mais fácil de sucumbir, já que muitos se doavam totalmente à paixão e se esqueciam de si mesmos. Assim, quando fossem abandonados, veriam o estrago que viver para os outros causava.

          O dia a dia de Olívia não era emocionante. Não havia surpresas, nem mudanças. Acordava cedo, corria por alguns quilômetros, trabalhava durante o dia e passava as noites fora de casa, pensando e, quase sempre, colocando pra fora toda a dor que não conseguia libertar em outros momentos. Mas, ela preferia assim. É mais fácil lidar com o previsível.

          Apesar de permanecer forte na maior parte do tempo, era impossível não desabar de vez em quando. Ela mostrava a todos que era uma fortaleza. Porém, um olho um pouco mais observador veria que seus muros eram feitos de dores. Ela jamais poderia fugir da própria vida, de quem ela é ou do que havia vivido. Esforçava-se para cobrir as feridas, mas sabia que ainda estavam lá. E, cada vez mais, temia não conseguir curá-las antes que tomassem conta de tudo.

          Um dos poucos motivos que ainda a faziam ter esperança era Martin, seu irmão mais novo. Os dois haviam criado uma ligação muito forte e, quase sempre, era isso que a fazia não desistir. Martin tinha 16 anos, era um garoto magro de 1,70m, um pouco mais baixo que Olívia. Estava sempre com um sorriso no rosto, com os cabelos castanhos bagunçados e uma nova teoria para explicar à irmã. Os dois conversavam por horas sobre o universo, sobre as pessoas e os sentimentos. Apesar da pouca idade, Martin tinha uma mente incrível, que a surpreendia constantemente. Olívia havia aprendido muito com o irmão.

          Apesar disso, com Sophia, a mãe, as coisas eram diferentes. As duas nunca haviam se dado bem. Não existiam bons diálogos entre elas, todos eram acompanhados de acusações e julgamentos, palavras inflamadas cuidadosamente escolhidas para o ataque. E, Olívia sabia, a mãe não mediria esforços para tornar sua vida mais difícil.

***

          Depois de mais um dia como qualquer outro, Olívia voltou para seu apartamento, jogou a mochila no sofá e serviu-se de uma dose de whisky. O líquido descia queimando pela garganta, aliviando a sensação de cansaço em seu corpo. Abriu a janela para observar o movimento das ruas, enquanto a noite aparecia vagarosamente. O prédio possuía 11 andares e ela morava na cobertura. Sempre havia sido uma observadora e lugares altos lhe proporcionavam visões mais amplas. Ver de cima costuma ser a melhor forma de obter a informação inteira, é mais fácil entender o caos quando não se está dentro dele. Talvez seja esse um dos motivos de tantas culturas verem seus deuses no céu, o ponto de vista mais completo, que não permite manipulações ou cortes.

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⏰ Last updated: Jun 12, 2016 ⏰

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