Tempos de escola

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Quando os historiadores escreverem a história de nosso tempo se referirão a esse como o tempo da violência. Nunca a vida (o ou fim dela) foi tão banal. Essa é a impressão que temos. Nós que nascemos nas décadas de 40, 50, 60 e 70 do século XX e crescemos nas cidades pacatas do interior brasileiro. Obviamente, a violência não é algo recente na história da humanidade.

Mas, nós crescemos correndo livremente pelos campos do interior. E se algo nos afligia era a distância dos grandes centros, a sensação de viver à margem da História. Na verdade, sentíamos falta de alguma coisa, embora não soubéssemos explicar bem o que era.

Na prática, essa angústia se materializava nas lições que recebia de meus pais. Era mais ou menos assim: minha mãe sempre tivera muita vontade de estudar, ser professora, ter seu próprio salário. Mas, meu avô não a deixou sair de casa. E estudar, morando naquelas profundezas, era impossível. Assim, teve que abdicar de seu sonho. Quando nasci, ela decidiu que eu teria um destino diferente. Por tanto, desde muito cedo fui instruída a construir minha independência.

A estratégia para a conquista da independência possível naquele tempo e espaço passava pela escola, pelo diploma de professora. E assim, pela possibilidade de um emprego e salário no fim do mês. Mas, ir à escola era para poucos. A gente estudava até a antiga quarta série primária. E só. Continuar os estudos significava ter que sair de casa, morar com estranhos, ser empregada doméstica, enfim, impossível para uma menina de dez anos. A não ser...

A não ser que me dispusesse a sair de casa às cinco horas da manhã, caminhar por duas horas seguidas, atravessar o Rio das Velhas de canoa, enfrentar o preconceito, a fome até estar de volta em casa por volta das catorze horas, diariamente. Quem acenou com essa possibilidade foi minha tia Vitalina.

A ideia inicialmente pareceu absurda! Mas, foi amadurecendo, amadurecendo.... Até parecer plausível.... Possível, por que não?

Durante quatro anos fiz a jornada. Acordar de madrugada, acender o fogo na fornalha para esquentar o caldo (de mocotó, de mandioca, de costela de boi, afinal era preciso comer alguma coisa de "sustança"), esquentar a água para tomar banho, sair de casa às cinco da manhã. Às vezes fazia muito frio e era preciso vestir duas calças; às vezes chovia. Era escuro ainda e a lamparina ajudava a enxergar o caminho.

Depois de uma hora de caminhada, atravessar o rio na canoa. Nesse trecho encontrava-me com outras garotas, tão sonhadoras quanto eu. Algumas vezes a canoa estava furada. E enquanto uma garota remava, as outras iam tirando a água da canoa com um prato.


Chegávamos à escola sujas de poeira ou barro, conforme a estação do ano. Éramos vítimas das piadas maldosas de nossos colegas. Diziam; "ah! Vamos plantar feijão debaixo da carteira dessa menina! " (Meus sapatos sujavam o chão da sala de aula). Hoje isso seria chamado de bulling. Entretanto, naquele tempo quem se importava? Nada tirava de mim a certeza de que aquele lugar nos pertencia!

A Felicidade Não Está A Venda! (para degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora