Capítulo 11

5.1K 679 127
                                    


Fiquei chorando até Cecília entrar no quarto e eu fingir que estava dormindo. Não queria ver ninguém, muito menos conversar. Na verdade eu passei a noite em claro, não fechando os olhos por nenhum minuto.

Quando os primeiros raios de sol tocaram a janela, levantei e saí de casa. Duas horas antes de minha aula. Passei na melhor padaria da cidade e comprei tudo que me apetecia. Tomei café da manhã lá mesmo, sentada em uma mesa olhando para a rua que aos poucos ganhava cor e vida.

Era a última semana de aula, pelo menos algo de bom naquilo tudo. Mais três dias e eu estaria de férias, sem ter Mia para me incomodar. Tratei de pisar com o pé direito em todos os lugares que entrava naquela manhã. Nunca acreditava nessas simpatias de sorte, mas qualquer coisa a mais poderia evitar surpresas indesejáveis.

E também foi com o pé direito que pisei no colégio. Caminhei pelas portas me sentindo a Taylor Swift cantando Fifteen (excluindo a parte de dar oi para os seus amigos, porque eu não tinha muitos deles). Rumei diretamente para o meu armário, trezentos e quarenta e nove. Abri-o e um pedaço de papel voou para fora. Agarrei o livro de filosofia e fechei o compartimento metálico. Olhei para o chão, tentando encontrar o que tinha escapado, mas acabei deparando-me com algo diferente. O garoto mais bonito da escola em minha frente. 'J' estava ali, parado diante de mim, segurando o meu papel perdido.

– Isso é seu? – ele perguntou.

Observei o papel – que na verdade era uma fotografia – em suas mãos. Uma foto dele mesmo que Virgínia tinha tirado alguns meses antes. Ela levava a câmera todos os dias para o colégio, obrigando-me a segui-la para fotografar quem ela achasse interessante.

– É... Não, quer dizer... Não sei o que estava fazendo no meu armário. – titubeei como uma idiota.

Ele olhou para a foto mais uma vez e sorriu para mim.

– Posso ficar com ela? – perguntou. – Quem quer que a tenha tirado, ficou muito boa.

– Toda sua. – respondi.

J guardou a foto em sua calça jeans colada. Aproximou-se de mim enquanto eu imaginava o que ele faria. Recebi um beijo na bochecha.

– Boas férias. – sussurrou em meu ouvido.

Ele saiu andando pelo corredor e eu fiquei ali parada, como se esperasse algo mais acontecer. Esses garotos bonitos têm uma facilidade incrível para nos deixarem confusas: Passam o ano todo sem falar com a gente, e na última semana de aula se aproximam para sussurrar em nossos ouvidos com aquela voz aveludada. Quem eles pensam que são? Se fosse com Virgínia, ela já estaria no céu. Surtaria e teria sido capaz de agarrar o J no meio do corredor mesmo.

Comigo era diferente. Claro que eu meio que fiquei uns segundos sem reação, mas não me importava muito. O que o garoto tinha de perfeito por fora, faltava por dentro, e isso fazia a diferença.

Apesar de rezar para que me trouxessem um namorado, eu não queria namorar. Já tinha pessoas com problemas demais para ter que me estressar com mais uma. Se acontecesse, tudo bem. Eu estaria disposta a ter um bom relacionamento se ele apenas... Surgisse. O que obviamente não seria com J ou nenhum desses garotos.


Entrei na sala de aula que encontrava-se barulhenta, assim como todos os dias. Avistei Virgínia me abanando no fundo do local. Sua mochila estava sobre uma cadeira que ela havia guardado para mim.

– Ei Tinky Winky! – falei enquanto me sentava. – Obrigado por reservar meu lugar, você deve estar brava comigo ainda, mas...

– Cala a boca, Sophia! – ela me chamava assim mesmo. – Eu nunca deixaria de fazer isso para você. Já foi castigo demais você ter perdido tudo que aconteceu aqui no sábado.

Olhei-a com inveja.

– Vamos ter assunto para o almoço inteiro. – avisei.

A nossa professora de filosofia aparentava ter uns sessenta anos tranquilamente. Suas roupas também não contribuíam para que ela parecesse um pouco mais jovial. Ela devia ter passado a vida toda lecionando, e sinceramente deveria estar cansada de um bando de pirralhos que não ficavam quietos, como eu e meus colegas. Sempre suspeitei de que ela fingisse ser meio surda para não reparar na gritaria que acontecia em todas as suas aulas.

– Você não vai acreditar em quem viu suas fotos. – falei para Virgínia. – Isso é, as fotos que você tira escondida.

Ela colocou a mão na boca, em uma expressão de 'Ai-meu-Deus!'.

– A foto de J andando de skate na frente da casa dele saiu voando do meu armário, e ele a pegou. – confessei.

Agora a expressão de minha melhor amiga confundia-se com a de um cão abandonado.

– Eu coloquei aquela foto no seu armário para você reparar na perfeição em pessoa! – ela se explicou. – Tive muito trabalho para tirá-la, acho que fiquei na frente da casa dele umas quatro horas e meia, escondida no canil da vizinha da frente. Ainda tive que pagar trinta reais pra ela me deixar ficar ali. Saí fedendo a pêlo de cachorro, além de espirrar involuntariamente.

– Ok, definitivamente você é louca.

A velha professora virou-se para o quadro negro e pôs-se a escrever. Ela não parou um só minuto, nem quando uma bola de papel atingiu suas costas. Acho que o excesso de roupas havia confortado.

– Preciso te contar outras coisas no almoço. Foi um fim de semana longo. – falei para ela.

– Você ama me deixar curiosa! – Virgínia suspirou. – Aliás, o que você vai fazer esta tarde? Eu estava pensando que a gente poderia passar no shopping para comprar algumas coisas. E ah, claro, pedir para o meu irmão expulsar a Cris Vaca de lá. Não consigo ficar sem fazer nada ao pensar em tudo que ela fez no sábado com o meu J.

O irmão de Virgínia trabalhava como segurança, e isso poderia ter as suas vantagens de vez em quando.

– Ele pode fazer isso? – perguntei.

– Bem... Não. Mas a gente pode colocar algo na bolsa dela e ele pode expulsa-la por roubo. Não parece ser muito difícil, vi em um filme. – Virgínia balançou a cabeça positivamente.

Olhei-a com reprovação.

– Depois que você ouvir o que tenho para te contar, vai entender o quanto preciso ficar sozinha pelo máximo de tempo. – fui sincera.

– Não me faça te forçar a contar tudo agora. O que aconteceu, algum parente seu faleceu? – perguntou ela, tentando adivinhar.

No fundo desejei que fosse isso, não serei hipócrita. Meu olhar perdeu-se entre tantas coisas, mas acabou por fixar-se no quadro negro. A frase que a professora havia escrito chamou-me a atenção. A li por repetidas vezes, sabendo que aquilo de algum modo se aplicava a mim.

'O significado da vida é a mais urgente das questões.' (Albert Camus)

No intervalo contei tudo que Virgínia ainda não sabia. Ela reagiu até que bem, apenas imaginou como seria se fosse ela a grávida. Nem quis pensar.

O último sinal tocou. Minha amiga perguntou se eu não queria mesmo acompanha-la, mas reforcei a ideia de que precisava ficar um pouco sozinha. Com minha mochila nas costas, agradeci mentalmente por não ter minha bicicleta naquela hora. Ela me levaria rápido demais para casa. Não que eu fosse para lá. Tudo bem, eu ainda estava de castigo, mas seria fácil convencer qualquer um de que eu iria passar o dia todo no colégio.

Naquele momento, caminhei em direção ao nada. Dobrei em esquinas desconhecidas, percorri vias agitadas e silenciosas. A Igreja e o cemitério haviam cansado de mim, assim como eu deles. Seria ótimo se cada pessoa nascesse com um Google Maps instalado no cérebro. Eu teria um destino.

O Menino debaixo da minha camaWhere stories live. Discover now