Capítulo IV - A SURUCUCU

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Um dia passou, sem novidades. Sem Medo esperava notícias da fronteira ou da Base. Outro

dia passou e a preocupação diminuiu. Talvez fosse apenas engano dos caçadores ou o exagero

natural do mujimbo. No entanto, o Comandante manteve o Depósito de prevenção.

Ao jantar, só havia Ondina: os outros militantes estavam retidos no Depósito. Comiam o pão

com chá, em silêncio.

– Andas preocupado – disse Ondina.

Ela não sabia de nada e não pudera compreender as idas e vindas. Sem Medo encolheu os

ombros.

– Estou farto de estar aqui. Só há problemas de dinheiro ou de indisciplina. A guerra está

longe do pensamento de todos. Numa Revolução, há os que vivem para ela e os que vivem

dela. Dir-se-ia que aqui se juntaram todos os que querem viver da Revolução. E são os que

sugam mais recursos e mais tempo.

– Se fôssemos dar uma volta? Podias-me convidar a passear.

– Não posso. Podem procurar-me para um assunto urgente.

– O André não se preocupava com isso – disse Ondina. – Saía sempre que lhe apetecia.

– O André era um burocrata e um sabotador. Agradeço que nunca me compares ao André.

Ondina baixou os olhos com a frieza súbita de Sem Medo. Sussurrou:

– Não queria comparar-te ao André, desculpa.

– Sair não podemos. Mas, se quiseres, podemos ir para a varanda apanhar fresco.

Foram para a varanda, deserta e escura. Sentaram-se no chão de cimento, contemplando as

estrelas e os quintais vazios. O movimento da pequena cidade tinha terminado, apenas por

vezes passavam pessoas a pé a caminho dum bar.

– Nunca gostei das cidades pequenas – disse Sem Medo. – Ou das grandes cidades ou do

mato. As cidades pequenas põem-me doente.

– O que não suportas é trabalhar num bureau.

– Isso também, claro. Mas as cidades pequenas, em que todos sabem tudo, põem-me doente.

– Por vezes penso que fugiste do teu curso, com o pretexto de vir para a luta. Não te vejo

como economista, sentado a uma secretária. No outro dia observei-te. Estavas sentado à

secretária e mexias todo o tempo, como quem está incomodamente instalado. Como

economista, devias ser bem infeliz...

– Depende. Há economistas que se mexem, que não trabalham num bureau.

Não me vês

como economista, vês-me então como?

– Militar.

– Só?

– Sim, só te vejo como militar.

– Também eu, Ondina. Esse é o problema. Porque um dia será necessário abandonar a arma,

já não haverá razão para vestir farda... Porque também não gosto de estar num exército

MayombeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora