Capítulo III - ONDINA

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A comida acabara, mesmo a presa caçada pelo Chefe de Operações. Os homens iam cada vez

mais longe apanhar comunas, pois as árvores que estavam perto da Base já se tinham

esgotado. Era preciso marchar duas horas para se chegar ao sítio virgem onde havia ainda

frutos. Iam aos grupos de três e enchiam os sacadores. As comunas eram repartidas de igual

modo por todos. Havia vários guerrilheiros com diarreia, causada pelo óleo do fruto. Ekuikui

saía ainda de noite e voltava à noite, procurando caça. Nada se encontrava. Ekuikui emagrecia

a olhos vistos, com o esforço não compensado, mas partia teimosamente no dia seguinte.

Há quatro dias que o Chefe de Operações partira. Tinha enviado logo um mensageiro,

avisando que a comida seguiria breve. Mas os dias passavam e o reabastecimento não chegava.

Podia-se dizer que havia uma semana não se alimentavam devidamente. As comunas eram

nutritivas, mas não tiravam a fome, pois estavam habituados à mandioca, que enche o

estômago sem alimentar. A sensação de fome aumentava o isolamento.

O Comissário corria constantemente dum sítio para o outro, resolvendo os litígios que se

multiplicavam. Vários guerrilheiros ameaçaram mesmo desertar, mas ficaram-se nas palavras.

Mais uns dias e as deserções seriam reais. Sem Medo dissera ao Comissário para evitar dar

castigos em caso de conflitos tribais, pois a fome acentuava o nervosismo e o tribalismo. O

Comissário não queria ceder, mas aca bou por reconhecer que a situação era anormal e que a

irritação se apoderava de todos. Tornou-se um mediador entre os adversários, em vez de juiz.

Mundo Novo tinha notado a modificação de atitude do Comissário. Um dia, pediu para lhe

falar. Estavam junto do rio e o Comissário concordou.

– Camarada Comissário, parece-me que o camarada está a ser muito liberalista. Tem havido

coisas graves, muito graves mesmo, aqui na Base, e o Comando não se pronuncia sobre elas.

Está a ver-se que só faltam tiros! O camarada, em vez de impor a disciplina, tenta apaziguar.

– Há fome, camarada. As cabeças não funcionam bem com fome, muito menos os nervos.

Não podemos agir com a mesma rigidez que em período normal.

Os olhos do Comissário fixavam-se obstinadamente no rio, como que esperando ver um

cardume de peixes. Já tinham mesmo pensado ir até ao Lombe pescar, mas não compensaria o

esforço e o risco, e, além disso, não havia sal.

– Eu acho que não se pode transigir. A situação agrava-se ainda mais. Todos aproveitarão a

desculpa do enervamento para não se conterem. Acho que o camarada, como Comissário, deve

ser inflexível.

– Não, isso só provocaria uma rebelião em peso, que noutra altura seria injustificável.

– Não se pode abandalhar a disciplina só por medo duma rebelião.

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